Revista da Academia Paraense de Letras 1962
REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS - Não, senhor. -Nem é preciso. O que vamos fazer exclue absoluta, mente a necessidade de qualquer ápresentação. Saberá em pri– meiro lugar que o roubo da chinela foi um simples pretexto. - Oh ! de certo ! interromped Duarte. . - Um simples pretexto, continuou o velho, para trazê-lo a esta nossa casa. A .chinela não foi roubada; nunca saiu das mãos da dona. João Rufino, vá buscar a chinela". A chinela foi trazida, pelo homem magro, e foi verificada não ser de criança, e sim, de moça. - Mas, eu nada tenho a ver com isso, respondeu Duarte. - Perdão! tem muito, por que vai casar com a dona". - Casar! exclamou Duarte. -Nada menos. João Rufino, vá buscar a dona da chinela. "Saiu o homem magro, e voltou logo depois. Assomando à porta, levantou o reposteiro e deu entrada a uma mulher, que caminhou para o centro da sala. Não era mdlher, era uma Sil– f'íde, uma visão de poéta, uma criatura divina". Era loura; tinha os olhos azuis, como os de Cecilia, extáticos, uns olhos que bus– cavam o céu ou pareciam viver dele. Os cabelos, desleixada– mente penteados, faziam-lhe em volta da cabeça, um como res– plendo-r de santa; santa somente, não martir, porque o sorriso que lhe desabrochava os lábios, era um sorriso de bemaventurança, como raras vêzes há de ter tido a terra. Um vestido branco, de. finíssima cambraia, envolvia-lhe castamente o corpo, cujas formas aliás, desenhava pouco para os olhos, mas muito para a imagina- ção". · - "Meu caro doutor, esta é a noiva". A môça abaixou os olhos; Duarte respondeu que não tinha vontade de casar. - Três coisas vai o senhôr fazer agora mesmo, continuou impassivelmente o velho: a primeira é casar, a segunda, escrever o seu testamento; a terceira, engolir certa droga do "Levante" ... - "Veneno"! interrompeu Duarte". - Vulgarmente é esse o nome; eu dei-lhe outro: "passa- t d , ,, por e o ceu . Nêsse momento, "o padre entrou, o mesmo padre calvo que abençoara o bacharel pono antes" ... - Levante-se! - Não ! não quero ! não me casarei ! _ E isto! disse da mesa o velho, apontando-lhe uma pistola. _ Mas então é um assassinato ? · _ É, a diferença está no gênero de morte: ou violenta com . to ou suave com a droga. Escolha ! is . _ o padre chegou-se-lhe ao ouvido e disse: Quer fugir ? _ Oh! sim!! exclamou o bacharel. -94- ..
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