Revista da Academia Paraense de Letras 1962
REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS e das suas pequeninas infâmias, e é um estado d'alma que periàdicamente se apodera de mim, resolvo fazer uma es– tação de cura moral, pelo isolamento de uma vida interior . E passo a viver com os livros . Eu acho que são as melhores relações que se pode ter e as únicas que nunca nos dão margem a arrependimentos". Com êsse es~ritor patrício, estou nêste instante fa– zendo a minha estação de _ cura dentro de minha biblioteca. Os meus livros conchegados, unidos, espiavam pela vidraça o meu jeito. Que juizo estariam fazendo de mim ? Parece que ouvi um dêles segredar para o vizinho : - 1!:ste nosso amigo, como todos os mortais, tem pre- dileções, caprichos e ingratidões. O outro pareceu-me interrompê-lo : - Explico-te . - Repara que nos olhos sem grandes estas de ami- zades. . . Ao abrir a nossa prisão toca de leve num, e nou– tro como eu, nem sinal, e, no entanto, a alguns de nossos companheiros, dispensa sempre uma intensa, especialíssima preferência. Não sei se já observaste, por exemplo, o que sucede com o "D. Quixote". 1!:sse está com êle de vez em quando. Já conversaram muitas vêzes. Leva-o a arejar-se rias ruas. Um felizardo ! - Mas, escuta - atalhou o outro - eu discordo de ti. - Como assim ? - Quando vimos para esta estante, tivemos com êle 0 nosso "tête-a-tête". Para cada um, certamente, uma fór– mula de afeição ou simpatia; mas para todos nós, uma ale– gria imensa dentro de sua alma. Além disso, repara, que êle nos conheceu em todos os detalhes. Leu-nos, compreen– deu-nos. E não fez como certos indivíduos sujos, grossei– ros, sem educação, que, sem perceberem que as nossas pá– ginas são pedaços suaves da nossa alma, dobram-nas com violência untando os dedos de saliva; riscam-nos, quebram os ângulos do papel, e outros_, os mais cruéis, põem-nos até do avesso vergando-nos ao meio, com tal impiedade, que até as costuras e os grampos que formam as nossas espinhas se quebram e se rasgam. . ~le, pelo contrário. Sente as nos– sas emoções e o nosso destino. Sabes que mais ? Quando viemos para aqui, já foi por sua preferência, pois nas livra– rias de onde saímos havia muitas obras insignificantes, mas também muita coisa boa; e êle nos distinguiu. Poderiamo~ estar uma hora dessas, em lotes de vinte cruzeiros, esqueci– dos, maltrapilhos, empoeirados, ou num "sebo", onde a am– bição tiogasparina de seu proprietário nos alugasse para 74 - o
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