Revista da Academia Paraense de Letras 1962

R EVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS que o levaria ao navio, fundeado no largo . "Até onde me foi possível - decreve êle - percebi o lenço de minha mãe, ace– nando-me de longe, como a me lembrar naquêle aceno tôdas as sua.s carícias, tôdas a.s suas advertências, todos os seus conselhos . .. De então para cá, durante a minha já longa existência, nos momentos de dificuldade e de dor de sacri– fício e de angústia, vejo sempre diante dos meus 0Ú1os como um símbolo, o lenço de minha mãe, acenando para mil~, não "pano enfunado, côncavo de beijos", mas ensopado de lá– grimas, tal qual vi da vez primeira em que nos separamos". O ACADÊ°:MICO NO RECIFE Escandalizaria qualquer dos alunos de Avertano, que se habituaram a vê-lo sempre austero e ensimesmado, quem o dissesse t er sldo, como nós, aluno buliçoso e jovial . Diver– tido, sonso, t errível no motejo e na criação de situações em– baraçosas aos colegas, por pura brincadeira - eis o Aver– tano que nos revela o escritor Moniz de Aragão, em suas memórias {ia vida universitária no Recife. Avertano morava em uma "República" que era a an– gúst ia e o sofrimento de famílias que lhe ficavam vizinhas. As janelas eram fartamente abertas, de caso pensado, para que a "República" ficasse devassada . Nela, os estudantes usavam, como indumentária oficial, ceroulas e camisas com as fraldas para fora. O barulho ensurdecedor que faziam, a falta permanente de ·moderação chocavam o conservadorismo burguês da vizinhança. Afinal, certo dia, bate à porta da "República" um jovem Delegado, recentemente formado, pela Faculdade de Direito . Atendeu-o Avertano, o único presente na ocasião . Trajava ceroulas. E com as fraldas da camisa por sôbre a roupa íntima. O Delegado não pretendia mais que uma encenação. Havia ql;le salvar as aparfü1cias e satis– fazer aos queixosos, espreitando pelas fendas das janelas, por trás das quais se escondiam o pudor e a curiosidade das mo– çoilas. Os pais de família, severos, esperavam, afinal, que os estudantes irreverentes fôssem metidos na prisão. Solene, o Delegado admoestou, com energia, o estu– dante Fez a apologia da moral.. Exigiu o respeito à "digni– dade de tantos lares honrados" . Avertano ouviu-o com r~do– brado acatamento, até que o Delegado encerrou a acusa– ção . Agora, era a vez da defesa . "Sen}lor Delegado I" - começou êle - .. "O ilustre doutor não nos pode apontar um único dispositivo, quer _do corpus Juris, quer do Livro 5. 0 das Ordenações do Reino, -. 23 -

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