Revista da Academia Paraense de Letras 1962

REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS - E você acha pouco, fazer barulho na sala? - Ora, Pai, até que é uma faltazinha micha" .. . Entender, é pouco provável entendesse Carlos Nasci– mento uma língua assim falada . Mas ainda teria, sem dú– vida, a exata noção perspectiva que o levou a escrever esta grande verdade : "não há pareceres ou decretos de gramáti– cos, de seu natural caturras e intolerantes, que tenham o condão de conservar ou restabelecer dizeres e práticas, a_inda que legítimas, quando o consenso das turbas já as tiver es– quecido por completo ou refugado, às exigências do pensa– mento, cuja história se vai retraçando pelas linhas gerais da evolução, a que obedeceu o seu vínculo - a linguagem fa– lada". · Essa acuidade era do filólogo , não do gramá tico. Mais que isso, defluía da sensibilidade poética de Carlos. Parna– siano t eria êle de o ser, por fôrça até da coerência . Tirava, às palavras, efeitos de sonoridade. Usava-as, por vêzes, não tanto como quem utiliza instrumentos, mas como quem delas fazia um fim em si mesmas . Veja-se, por exemplo, o comêço de seu soneto "A Tempestade" : O vento borborinha... Um frêmito percorre a mata . A poeira sobe, e torvelinha, e voa . .. De quebrada em quebrada, o carrilhão reboa do trovão, e retreme, e de éco em éco morre . . . E o terceto final, bem sugestivo, como efeito de sons : O rio arfando passa., a empolar-se alto, em onda . .. Risca rápido o ráio o cedro; e o t ronco estala, vacila, e geme, e range, e cai .. . E a chuva estronda ! Nêle não viveu, porém, apenas o esteta preocupado com a musicalidade das palavras . O sentimento delicado marcou– lhe versos como êstes : i Ouvi de certa mão, numa luva premida, alar-se êst e queixume, e no espaço r essoar: "condoe-te de quem sofre, em miseranda vi.da, dentro desta prisão, assim, sem luz, sem ar! Outrora, livre e audaz, andei na humana lida; Quanto lábio aspirei, que me vinha beijar ! E hoje me atenho, e arrasto, e arquejo, enfraquecida, como ave -prêsa ao chão; que não mais pode voar !" -20-

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