Revista da Academia Paraense de Letras 1962
REVISTA DA ACADEMIA. PARAENSE DE LETRAS "defunto" gargalhadas que lhe valeram por um começo de restabelecimento ... :- -0 major Solerno Moreira, homem de coração gene– roso, espfrita convicto do lema kardeciano. de que fóra ~ caridade não há salvação, lançou.se um. dia à tarefa de reuJ nir numa associação beneficente as mulhe~·es desgraçadas que a vida atirára ao fôsso trágico dos bordéis, as sem– ninguém que ao morrer eram enterradas à custa de subscri– ção promovida pelas companheiras de infortúnio, de pires à mão estendido aos transeuntes ... A Sociedade vingou, no dia da instalação mais de uma centena de infelizes compareceu, algumas chorando de emo– ção porque já não temiam na morte a viagem final no feio rabecão da indigência. . . _ E muito breve iria a Sociedade, que seu fundador cha– mara Olhar de Jesús, levar com decência ao cemitério a pri. meira associada que a vida já não mais vilipendiaria. Era domingo e o nosso grupo farandolava. Jaques logo sentenciou : o entêrro da Madalena era uma lição co– movedora de humana solidariedade e não poderia ela des– cer ao seio da terra sem um adeus dos boêmios. Êle iria dizer-lhe êsse adeus. Lá nos fomos rumo ao Santa Izabel e, ánte o chôro convulso do mulherío presente, o poéta, olhos molhados e voz trêmula, elevou na luz da tarde uma nênia sentida àquela mor.ta anônima, pobre flôr do baixo mundo que qualquer de nós jamais vira. Saímos do cemitério todos tristes. Nêsse domingo a pândega não entrou pela noite. A noite, ainda a pleno sol, entrara no coração dos boêmios. Mas J aques, o humorista, poderia nessa tarde repetir a frase do Santiago, de Machado de Assis : voilá mes gestes, voilá mon essence. . . · E lembremos que muito antes dêle na piedade por uma decaída morta, também Michelangelo escrevêra sonetos à memória de Faustina Mancina, a cortezã que fizera cho– rar ao morrer a metade do povo de Roma . .. O INTELECTUAL Romântico · por índole, Jaques Flor·es como poéta hu. marista terá atingido a libertação alegre e às vêrzes gloriosa de que nos fala Afrânio Peixoto, quando nos diz que o riso é um desabafo, uma revolta, uma vingança de nossa perso– nalidade, constrangida à atenção, à coerência, ao respeito, ao mêdo, que nos são impostos por nós mesmos ou por outrem.
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