Revista da Academia Paraense de Letras 1962

o REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS aqui um i:-a~sto; faltav~ achar Margarida. O tempo do sonho era, o de ~ell~mi e da~ procissões, de Donizetti e das fogueiras na rua do pnmeir? Verdi e do Sinhazinha, provincial dos franciscanos. \ . É ainda um sonho êsse frade, uma flôr de adolescência, que vim achar entre duas fôlhas sêcas. . De onde lhe vinha a alcunha? Ignoro; já a achei não· lhe pedi os títulos de origem. As alcunhas eclesiasticas são de, todos os tempos. Agora mesmo andam muitos aí, nessa questão que não acaba mais, acerca do bispo e do arcebispo. A fama· do pregador Sinhazinha é que acabou. Sinhazinha! Naqueles dias até as alcunhas eram maviosas. Hoje é de perereca seca para baixo". Essa crônica de Machado de Assis, não podemos afirmar que houvesse sido um sonho em vigilia, por associação livre de idéias; por que é bem possível que ele tivesse sonhado!! e, aproveitando-se do s9nho para escrever crônica. O conteúdo do sonho pode ter acontecido na sua adoles-, cência, e, que depois de muitos anos, no sonho ou naquela opor– tunidade de escrever a crônica, ele tivesse feito a "Associação, livre de idéias", com a realização daquele desejo inconsciente de. sadismo, vendo formar um panaricio no dedo da criatura que lhe havia negado o aperto dos dedos. Nêsse sonho, não só observamos o seu temperamento "sa-, do-masoquista", manifestado nessas frases: - "Nunca senti regalo semelhante ao meu despeito de tumor" e "o gosto que tive, não se descreve, nem se imagina. É preciso ter sido ou ser panaricio para entender êsse gôzo único de doer em uma carne odiosa": Como também a sua incredulidade nas coisas divinas e na exis– tência dos milagres; "quando ria-se da promessa do dedo de cêra a Nossa Senhora, sua madrinha" . Quando Machado de Assis, es– creveu que havia sonhado - 'que era um mocinho de quinze a. dezesseis anos", ele tinha cincoenta e quatro anos (54) e o sonho, foi a realização de umdesejo inconsciente de voltar a ser um jo– vem daquela idade, para ser um Fausto a procura de sua Marga– rida do Mephistofelis de Goethe. Ele que tanto amou a vida, emb~ra aparentemente parecesse odiá-la no seu Casmurrismo, não por suspeitar que Carolina fôsse ad~ltera co_mo acontecera a Bentinho, que se tornou Casmurro depois que vira os olhos la-; grimejantes de Capitú ao ver o s·e~ amante Escobar afog~do ~a praia do Flamengo. Mas por c~nfl~tos recalcados de sua vida in– fantil num temperamento egocentnco como o seu. ' o rnnho elo casal de burros é .dos mais extravagantes que conheço na obra literária de Machado d~ Assi~ . . Sonhar ~om ani– mais é relativamente comum, na nossa VIda orunca, especialmente com animais domesticos como: cavalo, cão, gato, burro etc. Mas, sonhar que o próprio individuo é um casal de burros, isso é real- - 99 -

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