Revista da Academia Paraense de Letras 1961

- E eu, e os meus companheiros, caminhavamos no rumo das estrêlas, não .para ouví-las ou entendê-las, mas para me– lhor sentir o cheiro excitante e bom da terra e o drama do mundo . Não rensava muito no amanhã, porque eu não tinha com quem repartir, no banquete das emoções, os meus êxitos e os meus fracassos . E pensava mesmo como um personagem do inolvidável Antonio Tavernard, o contista maravilhoso de "Fêmea": "S. Francisco diz-me crê. Píndaro diz-me sonha. Sade diz-me goza. E eu obedeço aos três: Vivo" . Eu vivia àquela época, eu vivia por uma obrigação, por um de– ver, como nos versos trágicos e lindos de Hermes Fontes, esse fasci.nante poeta que sabia traduzir em versos "os estados aristocraticos da sensibilidade". Como eu, àquela época, nã.o pode V. Excia . , hoje, ex– clamar como Paulo Setubal , a 27 de julho de 1935, na Acade– mia Brasileira de Letras: "Deixai que o meu coração, como– vido e respeitoso, penetre por um momento, muito de manso, numa casa modesta de bairro sem luxo. Nessa casa, · a estas horas, nesta mesma noite, está uma velha toda branca, oi– tenfa. anos, corcovada, com o seu rosário de contas já gastas, a rezar diante da Virgem pelo filho acadêmico. "Deixai, pois, senhores acadêmicos, que o meu coração vôe rpara a casa modesta do bairro sem luxo, entre o quarto do oratório, ajoelhe-se diante da velhinha branquinha, beije– lhe as mãos, e, na brilhante noite engalanada deste triunfo, diga-lhe, por entre lágrimas: "Minha Mãe, Deus lhe pague". Meus senhores, nada mais árido à vida do homem do que não ter com quem dividir as migalhas do seu pão, a far– tura dos seus sonhos, a opulência de um ideal, o sentimento de suas lágrimas, a poesia de seus sorrisos - a alegria é um pedaço de lirismo na angustia do mundo - os lírios de suas esperanças e as preces de sua fé. V. Excia., tem, meu r.obre confrade e amigo, com quem dividir a vitória desta noite sentímental de sua vida de che– fe de família e de glórias para o seu destino de homem culto. Não há aridez no seu caminho. Orfão de mãe, experi– menta V. Excia. , por certo, uma saudade incomensurável da– quela que lhe deu o ser, sem jamais prever o seu destino, mas ante sonhando, sem dúvida, esplendores e pompas para a vida de V. Excia.. Há lágrimas de saudade em sua alma nesta noite defi– nitiva no seu destino de homem estudioso. Mas se lhe falta a benção, aquela que eu não tive e que Paulo Setubal tão magnificamente exaltou, existe - e como isso é puro, e como isso é líricamente divino - existe o beijo - 45 -

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