Revista da Academia Paraense de Letras 1961

l l -x- 0 Vigário aproximav,a-se da ca.sa , suspirando por descer da sela. o pessoal aprestava-se para recebê-lo. As cadeiras haviam sido re– tirad.as do terraço e a poeira, varrida ràpidamente. Capitão Colodino recebeu-o na escada e conduziu-o para a sala. Ao sentar-se, padre Faustino derreou-se na cadeira com um sus– piro profundo, quase gemido, exclamando: - Puxa! Estou como que tosado a pau. Fiz uma viagem infernal, mont.ado no diabo! - No diabo? - Redarguiu o Capitão, arregalando os olhos. - No diabo; sim . - Insistiu o Padre. · - Pois, olhe, mandei um cavalo da minha sela, bem manso e andador. - Se os mansos são assim, não sei o que diga dos que não o sejam. Uma garg.alhada cascalhou entre os circunstantes e o fazendeiro continuou: - É estranho. Que aconteceu, então? - Logo que saimos da cidade andamos um pedaço e o demo do animal começou a virar a cabeça, olhando desconfiado para a minha batina, como se estivesse fazendo um reconhecimento . Quando, de uma feita, o vento agitou-a no ar, o anim,al danou-se e jogou-me im– piedosamente na terra quente. O Capitão forçava a seried,ade do semblante e lá dentro se ouvia o sussurro do riso da.s mulheres que espiavam pelas frinchas das pa– redes. O Padre, concertando, no assento da cadeira, as nádegas do– loridas, continuou a narração : - O vaqueiro apanhou o cavalo pelo cabresto e ajudou-me a montar novamente. Não me tinha batido muito. Cont inuamos a vi-agem por mais alguns minutos, e o cavalo voltou às mesmas olha– delas irritantes. A expectativa de outra queda começou a abalar-me os nervos. Não me enganei. Nova lufada de vento, a batina entufou e meta-se ... - agitou o dedo no ar, provocando uma r :sada geral. - Custou-me a levantar . A segunda queda magoou-me muito. O vaqueiro preparou o animal e convidou-me, ainda uma vez . Disse– lhe: Quem? Eu? T'arrenego ! f:ste cavalo é o próprio diabo. Já vinha, há muito, desconfiando dêle. Não monto mais nem por um decreto. Você não vê que êle não quer nada com o padre? f:le é o diabo, sim, que se transformou em cavalo! !\ão monto ... Credo! . .. Em volt.a, o pessoal esforçava-se por conter o ·riso, enquanto êle prosseguiu: - O vaqueiro trocou as selas e deu-me o cavalo em que vinha montado. Apesar de dizerem que cavalo de vaqueiro não é "certo", pude, no entanto, chegar .até aqt·i . . . mas . .. - soprou forte e, olhan– do em tôrno de si, passou as mãos abertas por sôbre a traseira . A gargalhada explodiu n.a. sala e, no interior da casa, ecoou mais forte, ainda. O padre Faustino era um sacerdote bonacheirão, de quem se di– zia, em Marajá, uma amorável criatur.a de Deus. De compleição ro– busta, tez amorenada, olhos negros, cabelos anelados, partidos ao centro, trazia sempre um sorri.':o nos lábios, que lhe gr.anjeava muita simpatia . Capitão Colodino ofereceu-lhe banho, mandou atar uma rêde grande, branca e cheirosa, e fazer um bom café para o novo hóspede. - 165 -

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