Revista da Academia Paraense de Letras 1961
A cabocla trintona, de tez amorenada, rosto redondo, fresca e robusta af.astou-se ràpidamente da janela que dava para o terraço a fim de providenciar o que lhe foi pedido. Não precisava que se lhe dissesse qual era o jornal! porque, na– quele dia, o Henriquinho, _atravessador que merca~eJ3:va naq~ela zona deixara o único matutmo da semana, o qual sena lldo e relldo, tint~ por tintim, até que êle regressasse novamente da Capital com outra edicão . Só quem vive isolado nessas longínquas paragens é que pode sabér bem o que seja o sabor da leitura de um jornal. Leontin.a não se fêz demorar e voltou trazendo o periódico para o terraço, onde teria que ler o noticiário para o Cap'i.tão. Ela era a secretária, a governanta, a enfermeira, a conselheira, e~ suma , a mulher, pois tudo girava em tôrno dela, que punha e dispunha no mando da casa. Filha de um feitor, criou-se na fazenda, desde pe– quenina, entre muitas outras companheiras, das quais, umas, se ti– nham ido embora e, outr.as, estavam ainda por lá trabalhando. A casa sempre fôra cheia de mocinhas e mulheres que faziam todo o serviço doméstico e trabalhavam, também, na queij.aria, onde se aproveitava o leite das búfalas, para ajudar nas despesas gerais, que eram muito grandes . Leontina sempre demonstrara grande sag.acidade; soube com– preender, desde logo, o sestro do velho fazendeiro e não lhe foi difi– cil transformar, bem cedo, aquela paternidade em concubinato . Isto lhe trouxera inúmeras vantagens, não só pela autoridade sôbre os dem-1is moradores mas também o alivio que pôde dar ao pai, já em idade avançada, afastando-o do trabalho árduo, a que se obrigava pelas fazendas adjacentes, e arranjando-lhe uma casinha. modesta para morar em Jaràzal, o vila.rejo vizinho. O velho Id.alino, assim se chamava seu pai, não tinha ambiç,es. Vivia obscuramente no contentamento evangélico, que promete o céu para os pobres, e, dessa forma, gastava as horas do di-a numa ociosi– dade .satisfeita, cavaqueando e pitando um cigarrinho, dispondo, parcimoniosamente, do que a filha, lhe dava para o seu sustento . Envaidecia-o vê-la ende~ada e bajulada pelos que lhe chamavam Dona Leontina, significando-lhe a honra de espôsa do fazendeiro . As– sim, - exclamava êle aos amigos, conversando, senta.do , à sombra de velha amendoeira - sorte é para quPm tem! Não é só quem é casada que passa; e, sabe lá se casada, como manda a lei, minha filha vive– ria tão feliz como vive? No terraço da fazenda já se encontrava, também Steven sim– pático jovem, estudante de Direito, que viera, em companhia do ca– pitão, aproveitar um período de repouso, recomendado pelo médico a fim de refazer-se da fadiga intelectual, renovar o ar dos pulmõe~ e rustificar-_se, um pouco, n3: paz sile1:ciosa dos campos . Já havia devorado o Jornal e,_ agor_a, vm1:a atraido pelo bom. divertimento que, decerto, lhe proporc10nana a leitura da cabocla. Ha três dias encon– trava-se refestelado na doce tranqüilidade da fazenda onde não obstante o número de pessoas que enx-ameavam a casa não se ouvia quase nenhum ruído, como se aquelas criaturas pisass~m em veludo º1: deslizassem, como sombras humanas, por sôbre o soalho. Ainda nao aprendera a chamar todos pelo nome ,mas, isso, viria com o tem– po e intimidade . O E;,Studante, com os cabelos lisos, negros e brilhantes, puxados para tras, sentado no banco de madeira que circ1:.ndava o terraço com um dos pés em cima do mesmo, mãos cruzada, sôbre a perna,' con– templava, com um 80rriso nos lábios, o seu velho amigo, que, de ca– beça repousada na lona da cadeir.a, era todo ouvidos a Leontina, que desdobrava o jornal pra iniciar, com certa t!midez, que vinha da - 162 -
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