Revista da Academia Paraense de Letras 1961

.... Romance Marajoara Capitão Colodino JOÃO VIANA I Tamborilando com os dedos no parapeito do terraço, o Capitão colodino &tendia a vista parn. o lençol verde dos campos armento– sos da fazenda refestelado numa espreguiçadeira, na qual costumava, todos os dias, gozar os ventos macios que a~ariciavam as has~es fle– xíveis dos juncos, agitando-as em ondas ritmadas que deslizavam, suavemente, na planura iluminada pelas belas tardes de sete_mbro, quando a alegria e a fartura brotavam por todos os cantos, anunan– do os sêres e a.s coisas . A sonoridade cadenciada do relógio, batendo cinco horas da tar– de despertou a atenção do velho fazendeiro para .a bôca da estra da que vinha da cidade, de onde, há muito, esperava surgisse o vaqueiro, por quem tinha mandado buscar o vigário da paróquia para as cele– brações do Divino, prestes a realizar-se no vilarejo contíguo à sua fazenda e de cuja festividade era sempre o Presidente. · Fazia gôsto vê-lo no seu aspecto patriarcal, relembrando a figura veneranda do nosso Imperador Pedro II. Era o sósia quase perfeito do velho monarca, de barbas avoengas, bem cuidadas, refletindo no olhar sereno a expressão tranqüila e feliz do rosto corado, que não deixava perceber, de pronto, o quanto de sagacidade lhe ia no íntimo. Tinha consciência disso e - por que não dizê-lo? - até uma ponta de orgulho. Quando, nos dias de gala, envergando a velha fatiota de casimira apertado no colete e casaco de três botões, apareci.a à janela da casa' encenava o aspecto de uma ressurreição, pois somente duas cO'isM Jhe colocavam em polos opostos ao Defensor Perpétuo do Brasil _ era o seu porte atarracado e o semi-analfabetismo que mal lhe dei– xava oportunidade p.ara rabiscar o nome . Remascando a denta~ura mal-ajustada, o Capitão contemplava, despreocupadamente, aquele belo qu,3idro da Natureza sorvendo O ar sêco_e sadio dos camp~s maraj oaras . E, de quando e'm vez, passava a mao na cabeça aquietando os cabelos que o vento teimava em remexer. - ó, D. Leontina, traga o jornal. l61

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