Revista da Academia Paraense de Letras 1961
- Que idade? De 30 a 45 ânos, no máximo. De mangas curtinhas, a;pertando nas axilas os braços roliços , o cabeção dançando no busto entumecido, arrastando os bordados de ponta sôbre os quadrís opulentos, sáia de roda feita sem economia de pano e com a mais •1istosa e cara chita, deixando à vista as sandalias de marroquim e verniz, com salto alto, mal cabendo o pé moreno, calcanhares de fora, a sustentar os artêlhos nervosos, bases de duas colunas modelares, que subiam. subiam desnorteantes e macias, perdidas na alvura de várias anáguas, - essa a mulata como foi, há ânos, des- crita, em cintilante crônica, por aquêle lúcido espírito que ~ se chamou Hormino Pinheiro, meu sempre lembrado amigo. E foi para essa mulata que o poeta repentista Costa Ata– que (Jcsé Augusto da Gama Costa) , num surto de gostosa inspiração, disse esta quadra, que sintetisa um bem ajustado perfil: Mulata, se eu te pegasse eu nem sei o que faria . Mulata que tem banzeiro, pororóca e maresia. Aos pares, aos grupos, ou sozinha, deixava à sua pas– sagem um sorriso, um muchôcho, um dito picante ou uma risada argentina, quando, então, mostrava a brancura e o se– guro alinhamento da dentadura sadia. - E a sua fala? Como era melíflua a sua fala! Uma linguagem ingênua que não era nem "cassange" nem ca– lão - era o falar da mulata. "Me deixe, seu moço!' "Meu bem". "Agora isso". E, quando não gostava de frase ouvida: "Axi, porcaria!" Sôbre a trunfa grenhada - explicava Hormino Pinheiro - um ramo de flores e o pé amarelo dos cheiros da terra; cm volta do pescoço trigueiro o brilho faiscante de um tosão de contas ou de um trancelim de ouro com o :pingente de uma figa de azeviche ou de pau de Angola; nas orelhas, ar– golas de coral ou de prata, nos dedos aneis que seu moço lhe deu ... E 1~ se ia ela, cesta de vime ao braço, pelas manhãs ri– dentes, as compr_as para o lar dos patrões, provocando, com seu perfumP. nativo e a sua faceirice , frases como est a dos elementos da colonia portuguesa: "E' bem boa o rai~ da mulata!" Pergunto agora eu: Por onde anda a mulata da minha juventude? Aquel8: tal qual eu a conheci há quarenta ânos? Aquela_ q1;1-e, era f1g~ra característica da nossa vida pacata e provmciana, enchia de encantos esta cidade de meus so– nhos e de meus amores, esta Belém de um tempo que está distante?! - 154 - ..
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