Revista da Academia Paraense de Letras 1961

cultos de suas religiões. A vida para o selv-agem como para o atual ca– boclo merece menos atenção que a alma. Supersticioso, ele tanto respeita a Tupan, como Yurupary, a Cu– rupira, a caapora a Pacanhanga ou ao próprio Anhanga. Teme a Deus por gratidão, porque é bom e poderoso e teme ao diabo por terror, porque é poderoso e mau . · Mas, voltando dessa ligeira digressão vejamos como o ilustre e de– licado novelist-a. encerra esse seu primoroso trabalho . Assim êle o conclue : "Do;s dias depois. Perto da meia noite, na boca do Anaja.s, po– deria ver-se, ao Zig-zaguear dos relampagos, que interrompiam as trevas por segundos, um vulto nas ondas encapeladas, lutando de– sespera damente por manter-se à tona . O barulho do vento, casando-se ao trovejar, ensurdecia. O misero, cujo barquinho sossobrara, ao regressar da pescaria, sen– tia inevitavel a morte . Principiavam a pesar-lhe os movimentos . Exausto, ao mergulhar, quiçá, pela vez últ;ma, ainda gritou, rogando auxilio à Virgem : Mlnh-a Nossa Senhora valei-me! Valei-me Meus filhos que ficam sem pai. Num derradeiro esforço, a bracejar doidamente, bebendo água, perdido o raciocínio alcançou de novo a superflcle . Nesse arranco final, o braço encontrou alguma coisa solida . Mato, terra, madeira. Agarrou-se violentamente, crispando as mãos no salva-vidas opor– tuno . Lentamente, no rosário das horas, uma a um.a se desfiaram as que precedem o dia . Amainou a t empestade . Amanheceu . De um barco passageiro, fo l visto o desgr-açado, apoiado ao mor– ro errante, em que vefr.os troncos ,aos pedaços, enlaçados, por cipós verdej antes, formavam uma jangada. Colheram-no. Na dextra do pescador, cingida pelos dedos, que o frio encarquilhara, estava a Vir– gem d-a Conceiçã o, que o Caripuna, se presente reconheceria . Propagou-se a noticia do milagre . Poder da Fé, coincidência, expliquem-no como entenderem . O cert o é que com a Santa entrou a sorte na choupana do naufrago. As roças produziram , a çriacão aumentou, a f.amília teve saúde e a pesca nunca mais lhe foi ingrata. Hoje, querida em toda a redondeza, a Santa viajava, na capela branca e florida, que lhe levantaram, recebe os votos e as promessas das humildes criaturas que a invocam como Nossa Senhora do Rio" . Essa página regional de cunho empolgante e de alto engenho literá rio de Apoliná rio fica sem comentários . Os que me deram a honra de ouvir que glorifiquem o seu autor. O milagre de N. S . do Rio, que a tradição anaj.aense consagra, e que Apolinário divulgou na imprensa, encontra na história do Maranhão, Pará e Rio Negro outros semelhantes, .ainda que mais remot os . Em reg·ra geral t odos os padroeiros das localidades do in– terior da Amazonia tem o rosário anonlmo dos seus milagres . N<?ssa Senhora de Nazaré, Santo Antonio, S . João da Ponta, São Benedito ~chado, de Curuçá, cuja influência se distende pelas sava– nas, maraJoaras, todos têm produzido surpreendentes milagres que o povo arquiva n as suas maranduba s . . Apoliná rio Moreira como a maioria dos eleitos, não produziu ain– q.a um livro, isto é, não reuniu, num só feixe, as páginas de luz que tem dispersas nos j ornais e .revistas. Lembro-me de ter lido, ostentado a pompa aurea do mesmo qui– late da produção lida , os la bores "Coração de Caboclo", "O Filme da Morte", "O Grand-Prix" do Santa Cruz" "Meio Maluco" "No tecla do da Vida", "Se se morre de Amor" "Folhás secas", "Fantásma da ter- ra e do além". ' 150 -

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