Revista da Academia Paraense de Letras 1961

• .. r que o Cordeiro viria buscar numa nuvem de glórias dando-lhes a posse perpetua do Paraiso. "E perorava, arrebatado, inexoravel, clamando o anatema celeste aos falsos c·rentes que pretendiam servir a dois senhores, comungando a doutrina evangelista e tendo em casa os condenados idolos". "Todos olhavam o Bernardino, que se retirou impressionado, ca– bisbaixo cismando na precari-a situação da alma do velho pai, que lhe legara a imagem e tantos anos a venerara, como padroeira e guia infalivel do céu". "Não! êle salvar-se-ia". "Queria ver se "o pedaço de páu" faria milagre, quando o des– pedaçasse" . "Na canôa, entrou a remar com ansia. A mulher leu-lhe no olhar o pensamento e secundou-o. A tardinha chegaram, subindo prestes pelo miritiseiro derrubado na rampa. Correram .ao nicho. Obra de ignoto artista, que lhe imprimira aos traços angelica expressão, en– volta no azulino manto, de mãos postas, a imagem parecia suplicar ao Creador Supremo o perdão de todas as culpas, o consolo dos so– fredores, a esper-ança aos arrependidos, a misericordia aos obstinados. Bernardino arrebatou-a e desceu ao terreiro, pesquizando o terçado. !vão o viu. Deixara-o na roça talvez . Em breve seria noite. Seme– lhando um disco inflamado, o sol ia-se ocultando atraz da mata. Ur– gia terminar aquilo". "Nem mais um instante lhe ficaria nas palhas o instrumento de perdição. Olhou a margem fronteira. Separada pela largura do rio, na distância de llm tiro de pedra, uma seringueira centenaria derra– mava as raizes sôbre a água, cuja vasante começava. Quebra-1-a-ei de encontro a árvore, matutou o homem. "E, um arremesso, acompanhado pelo casquinar da companheira, projetou a Santa. Errando o alvo, a imagem bateu nos ninhos de japlins, pendentes dos ramos, e assim, amortecido o choque, caiu sôbre as raizes. Fulo de raiv-a, Caripuna atirou-lhe pedras e pa.us sem que acertasse, conseguindo apenas, sacudi_do o tronco aos baque~, sucessi– vos, que a Santa resvalasse para o no, pousando em comprida liaça de canaranas e mururés, que junto à ribanceira havia parado. o ca– boclo assanhou-se". "Acaba com eise enguiço, bradou-lhe a mulher. Célere, de remo em punho, partiu em busca da montaria. Maldição! Enraivecido de– sorientado, procurando desatar a corrente da canôa mais voltas lhe dava, sem: que atinasse solta-la". ' • "O barranco, como impelido por mão invisivel, deslocou-se vaga– rosamente da beira, seguindo rio abaixo, transportando à mercê da Providência, a Santa expulsa, mau grado às imprecações do icono– clasta, que pocesso de colera impotente, a viu desaparecer no flu– tuante andor, lucilando aos raios do sol posto, no primeiro cot ovelo da torrente" . Deixa-nos ai, Apolir.ário, o coração suspenso aos liames emotivos de uma espectativa alticuriosa. Esboçado o fanatismo de Caripuna pelas sugestões do pastor evan– gelista mostra o fulgurante escritor. a incons<:iência e a irresponsabi– lidade do caboclo nos atos que praticou, dommado pelo terror infan– til de perder a alma, como aliás muito problematica aos olhos da ciência que Deus inspira à humanidade. o caboclo bra.sileiro, senão americano, desde os tempos prehis– toricos, sempre foi um idealista e crente da ~xistência dalma, pois que o Anhanga era a base fundamental, como e hoje a todos os povos - 149 -