Revista da Academia Paraense de Letras 1961

Apolinário nasceu orador. A acreditar na veracidade da lenda dos nos.sos caboclos, é bem possivel que, em pequenino, lá no remanso sombrio do Belém do Mo– reira as mucamas que o emb-alaram na infância e o mestraram na pu– berdade, sob os leques das pindobas de nassahy, tenham temperado os mingaus de pacóva que lhe serviam, com as gomas de óvos de japin .. . Criado entre caboclos, lá no emaranhado das vereds ipuans da foz do Amazonas, nas vizinhanças do Marajó, recolheu Apolinário a tradição oral das marandubas selvagens, ao som da música inimita– vel dos caraxués, dos inhambús e das cigarras, ao nascer e ao por do sol, no seio fecundo das florestas . Evocando os tempos felizes da sua infância e puberdade, vividos nas ilhas, Apolinário há plasmado vários labores literários de feição nativa, palpitantes na sua fisionomia amazônica. Produziu artístico trabalho "Nos.sa Senhora do Rio", em que nar– ra um fato ocorrido em Anajás, sua terra, a propósito dos evangelis– tas que invadiram o Alto Guajará assolando a crença católica do povo laborioso dos campos e seringais ribeirinhos . Os mais ladinos, se não os mais velhacos, abraçaram a nova seita que dentro em breve fa– natisou os mais inexperientes e os crédulos . Conta Apolinário que retirando-se daqueles pagos o douto padre Salvador Tracaioli, for– çado pelo paludismo, a propaganda do evangelista cresceu assustado– ramente. A distribuição da Bíblia se fez em todos os recantos de Anajás. Continuando narra Apolinário : "Improvisaram-se diaconos, presbiteros, pastores e ministros; muitos deles mal sabendo ler, todos submissos ao cabeça da grei, esperto americano que por lá surgira a seme'.lr a novidade salvadora, para si de uma colheita pingue, a julgar pela venda copiosa dos im– pressos de aquisição obrigatória aos "crentes", compelidos a decorar, com trechos das Escritura s escolhidos adrede, uma serie interminavel de h inos e poesias outras, de lavor suspeito, onde a lingua patria se estorcia sob o guante inflexível de tradutores cruéis" . Uma das prosperas "casas de oração" era a do Alto Guajará. No povoado sitio, os católicos rareavam, contagiados pela seita que pro– liferava a olhos vistos, inscritos também entre os adeptos muitos "patrões" temerosos dos freguezes fanatisados inteiramente". Depois de preparar a enscenação com os matizes da realidade, Apolinário entra na explanação flagrante de um fato real que ali se passou e que o povo anaj aense considera um mil.agre. Eu mesmo viajando aquele rio posso atestar a veracidade. do que vou ler, escrito por Apolinário que, melhor do que eu o recolheu dos comentários que se faziam a bordo dos gaio!.as, que sobem até o Sa– parará e varejam os Rios Mocões, Cururú, Charapucú, Mapuá e ou– tros tantos. Bernardino Caripuna é personagem escolhido . E Apolinário es– creveu: "Estava de pouco na crença, vítima da influência da mulher, que logo se deixará convencer . Duma fraqueza increparam-no os "irmãos", escandalizados por vê-lo conservar na sala da barraca, um oratório onde guardava a imagem da Santa Senhora Imaculada. Não fôra, portanto, sem propósito que na reunião dominical, o pastor proferira como tema de su.a predica a fala do Senhor a Moisés: "Não farás para ti imagem de escultura . .. " "Explicando-a como lhe convinha, o pregador empenhou-se no pintar a vingança do Eterno sôbre a iniquidade dos desobedientes aos seus.mandamentos, e a felicidade dos justos, fiéis daquela igreja, 148 - 7

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