Revista da Academia Paraense de Letras 1961
.. .. dêmico - onde conviveria com uma sociedade alegre e fe– liz, - abatido enfim por uma enfermidade fatídica e capaz de causar repugnância aos escrupulosos e repulsa aos igno– rantes, tudo se concentrou para exilá-lo do próprio lar e re– fugiá-lo na parte mais sã do próprio corpo: o espírito. Idea– lizou por tanto um amor, platônico, grande, fecundo. E fêz dêsse amor objeto de agressão genital, indireta, isto é, íma– ginária. Complexo êsse amor, cujas · tendências mais claras vemos em profusão na sua obra, cheio de bifurcações, osci– iando de uma raíz tônica para uma genital, reduzindo-se fi– nalmente em uma fôrça criadora. A impossibilidade de gozar llcitamente êsse amor e dêle receber carinhos e afágos, trans– formou-o, o poeta, num cilício. Parece haver certa pariodici– dade nas suas vivências e fantasias eróticas, que correspon– deriam· assim ao chamadc estado de cío. Extremamente sen– sível e sensual - sensual, sensualismo, a palavra e as ima– gens são abundantes em tôda a sua obra de poeta e prosador, - praticava, no afã c1·iador, uma espécie de masturbação ideológica ou descargo do ímpulso copulativo . Em alguns contos de "Fêmea", em muitos poemas avulsos, vemos o ho– mem frustrado na contenção de cargas libidinosas a cantar o corpo nu de uma mulher, a imaginá-lo com certos requintes de sadismo e morbidez, sabendo-se po– rém irremediàvelmente abandonado na sua solidão, a se au– tosatisfazer do bem que porventura não teve tempo nem oportunidade de sopitar. O sexo, por conseguinte, é a ima– gem que o persegue e que afinal se transforma em símbolo, sublímando-se . Essa sublimação exige do poeta, inicialmen– te , uma angústia irrefreável, pois se reduz em mera ficção os seus impulsos eróticos, traduzidos então na sua morbi– dez, na preferência aos t emas trágicos, ao ambiente que já assinalamos perfeitament~ enquadrado na atmosfera de um Põe ou Dostoiewsky, onde se movem os seus personagens, perturbados e doentios. Viu êle a "angústia" nas "almas tro– picais", só angústia em sucessão, exacerbando às vêzes a pa– tologia dos próprios personagens. "Mané Cururu", por exem– plo, tem um perfil horroroso e o poeta fixa-o com extrema impiedade - "dir-se-ia que aquêle homem era abôirto de uma orangotango fecundada por Quasímodo" ; "Vê-lo era sen– tir primeiro, espanto, horror, depois, asco, por fim". E to– davia, êste conto, por si só, é uma rajada de luz que surpre– ende, em flagrante, a sua personalidade levada ao paroxis– mo da fl agelação: "Mané Cururu", não obstante a sua feal– dade e os intuitos diabólicos que todos lhe imputavam, era a alma boa e cândida, que amava o belo, figurado numa imagem feminina, e só poderia contemplá-lo, protegê-lo ; ja– mais profaná-lo". Essa era t àmbém a alma do poeta . -117 -
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