Revista da Academia Paraense de Letras 1961

I" L [ Faz pouco, JORGE AMADO, instado a identificar um de seus personag,:ms mais populares, desencorajou os curiosos: - Não há - respondeu - um personagem de ro– mance que se encontre, à puridade, na vida real. 11:le é, antes, uma sutil mistura complexa, de ca– racteres e sentimentos, aos quais não é estranho o autor. Velei, por não transmitir, aos personagens, os sentimen– tos pessoais do autor. Düícil, todavia, tal isenção, quando se luta com lembranças emocionais e se tem uma mensagem a comunicar. Não será surprêsa que, supondo-me neutro e impessoal, tenha carregado intencionalmente nas tintas, aqui e ali. .. Parece inevitável que isso se dê. EMILE FAGUET, ana– lisando MAUPASSANT, em quem reconheceu o maior roman– cista realista do século XIX, assevera que a paixão da rea– lidade, apesar de tentar excluir as idéias, não o consegue ''porque as idéias sã•o extremamente tirânicas. Não podemos deixá-las de parte. Elas atraem, sujeitam à sua lei e mode– lam à sua feição, todos os materiais que a seu lado possa reunir a observação, por mais conscienciosa que seja. A mJil,– neira de ver de ZOLA é subordinada à sua prévia concepção geral da humanidade. Poder-se-á dizer o mesmo de BALZAC. Quando temos idéias gerais, ou cremos tê-las, são elas que dirigem a nossa observação e as nossas observações se des– tinam tão sàmente a apoiá-las". Não cause espanto, pois, se em "TERRA ENCHARCA– DA" os personagens trairem o horror que, ao autor·, sempre inspirou a espoliação do homem, já que me servi, sem pre– ocupação de reproduzir a verdade episódica, de um drama so– cial vivido e süfrido sob o mormaço do Equador e ao qual em– prestei a flexibilidade da ficção. Não sei se o livro que a Academia Paraense de Letras acaba de, generosamente, premiar, é um bom romance. Se o tives.se de definir, ficaria no mesmo embaraço que CHARLES MORGAN põe no mestre-escola de SPARK.EN – BROKE, ante a pergunta do discípulo: . - "Todos percebem o que é um bom marinheiro. Mas que é um bom romancista? Parece havê-los tantos e todos diferentes" .. . Bom ou mau romance, está feito e julgado. Praza aos céus não vos tenhais equivocado, ao conceder-lhe a láurea. - 107 -

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