Revista da Academia Paraense de Letras 1961
O prêmio, tomo-o sem vanglória, mas com alegria sã, por sabê-lo concedido com a honestidade, que não sacrifica as simpatias, nem aos louvores imerecidos. Ao escrever "TERRA ENCHARCADA", em 1948, res– pondi a um apêlo interior, quase diário a uma fôrça incoer– cível. A influência telúrica, presente nos homens da Ama– zónia, pareceu eclodir, em mim, certa vesperal chuvosa, ao pé das escarpas fluminenses das Agulhas Negras, derraman– do-se em onda de ternura pela terra longínqua. A lembran– ça da gleba di1,tante chegou, súbito, de envolta com a ima– gem da malta fugitiva e.lo Jarí, que tanto impressionara a minha sensibilidade infantil e que me impregnara de dor o coração de menino pobre. A saudade do Pará, o enlêvo con– sequente, o amor dos espoliados, a revolta contra a opressão, tudo se somou num inst ante, com o impacto do aguaceiro serrano, e me impeliu à tentativa de compor, num mesmo quadro, a angústia do homem que sofre a adustão do solo exsicado, e, já retirante, as atribulações que padece pelo ex– cesso das águas do caudal amazônico. Não me propús fazer uma obra de memoralista ou de historiador, mas, tão só, reproduzir, com as alterações que se permitem à imaginação, um drama social, de que recolhi far– rapos, aqui e alí, e que marcou, fundo , a minha infância em Belém. Procurei não comunicar, à minha narrativa, simpatia ou aversão, aprêço 011 menosprêzo pelos personagens que a po– voam . A nenhum :-::produzi a vida ou os feitos com a preocu– ção descritiva da verdade, já que a todos conheci sem conhe– cer a qualquer. Vi-os, a muitos dêles, sofredores, traumati– zado pela cena, no estado de êxtase que domina o infante, atônito, a compreender, subitamente, o que é a maldade ... A criança, impossível discernir, fixar tipos humanos pe- netrar-lhes o ímo. ' Somente o milagre do amor instintivo pela espécie e 0 poder de solidariedade com o semelhante injustiçado pode– riam imprimir, à puerícia aturd1da, o sentido global do dra– ma pungente e, com a ajuda da imaginação criadora fazê– lo saltar do fundo das recordações quase um quarto 1 de sé– culo passado! Não há, pois, em "TERRA ENCHARCADA", nenhum personagem copiado literalmente da vida real. Todos são fru– t os mais ou menos fortemente contaminados da liberdade da criação. - 106 - •
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