Quero - 1939

lados nos telhados brancos das casas silenciosas. No entanto ha gente acordada, retinida em volta das lareiras. Triste véspera de Natai, sem esperança de Missa e de consoada. As mãis de familia vão buscar brasas para aquecer as camas e irem -se deitar. De repente, no grande silêncio nocturno, ouve-se o ruído de tamancos que fazem ranger a neve amontoada . Batem com fôrça à porta de Triste, o sa– cristão. Ouve-se o ladrar de um cão. Dez mi– nutos decorrem. Os paroquianos de S. Cristo– vam estarão a sonhar? Não há dúvida. E' o sino da igreja que se faz ouvir e na noite serena o som se espalha alegre, triunfal, pela aldeia pasmada, lançando ao longe o alegre carrilhão do Natal. Levantai-vos, criaturas de Deus, despertai se já dormis. Vai haver missa da meia noite. Não, não é o vigário do distrito visinho que a vai dizer, éum filho da aldeia . E' o Padre José Costa, o neto da moleira. Vesti-vos a tôda pressa e correi à igreja . .. Natal! . .. Natal! . .. Na "Casa Antiga" a d o ente ergueu-se sôbre as almofadas, ao ouvir o som dos sinos. E a· sobrinha exclama: Que quer isto dizer? Nós não temos missa na terra . -Vai haver uma, exclama uma voz mas– culina e bem timbrada . Um padre aparentando ter uns trinta anos, vermelho de frio , precipita-se no quarto tra– zendo flocos de neve nas pregas da capa - E's tu, balbucia a doente, tu, meu bom José! Há bem quatro anos que não aparecias. E' nosso Senhor quem te manda. - Desde que estou professor do Seminário é sempre na vil a, em casa de meus pai s, que passo as féri as. Mas nestes últimos tempos tenho and ado adoentado. Aconselhavam-me a que fô sse mudar de ares para o campo e vou para casa da minha avó do moi'nho de Baixo. Arranjei as coisas para chega r esta noite. P ensei que lhe dari a um gôsto grande, minha que rida senhora, e que toda a aldeia es– timaria ter missa da me ia noi te. Agora vej o com mágua que está doente. - Vou morrer, Padre J osé. Sinto que vou morrer esta noite. Tin ha a grande dôr de morrer sem padre. - Sem Padre, Senhora Robert! Duvida porventura da tern u ra reconhe- 24 J. F. C. B. BELEM - PARA ~ cida do nosso Divino Mestre? Não se morre sem padre, quando se de– ram quatro padres a Deus. Dêsses quatro filhos da diocese, sou eu o mais velho. -E vens ajudar-me na partida para a gran– de viagem . . . Sim, Deus é bom! A missa da meia noite acabou-:e há muito tempo. Na Casa Antiga, a agonisante acaba de receber a Hóstia sacrossanta. De pé junto do leito o jovem sacerdote, faz por ela a acção de graças, pede-lhe que ofereça o sacrifício da sua vida, prepara-a para a grande viagem, com uma emoção, uma piedade filial. Sob a neve dos cabelos brancos, o rosto emaciado, onde já perpassam as sombras da morte, ilumina-se dum reflexo celeste. E' uma cristã que, terminada a sua tarefa, adormece serena no beijo do Senhor. - Chamais-me, ó meu Jesus? Eis-me aqui. Não, não tenho apêgo à vida. Meu J esus, é tempo de nos retinirmos, é tempo ... Parte dêste mundo alma cristã , balbucia o jovem sacerdote, que sente que perde uma segund a mãi e não pode retêr as lágrimas. Lá fóra os raios da lua põem estranhos clarões no telhado coberto de neve que brilha com raro fulgor. Será o cortejo dos anjos do Natal que vem buscar essa alma, para a con– duzirem ao Paraíso ? ... Onde se encontra a ••••••••••••••w•••••••••••••••••••••••• revista "GUERO" • •••••••••••••••••••••••••••••••• A NOSSA R EV ISTA SE ENCONTRA A' VENDA na Tipografia Norte, à 15 de Novembro , onde é composta e impressa, na Papelaria Loyola Sto. Antonio, 86, na Agencia Martins Campos Salles, na Livraria Bitencourt Conselheiro J. Al fredo e na Papelaria Suisso Trav. 7 de Setembro . •· • • •

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