Quero - 1939

pouco de pão e água, o carcereiro trouxera um jornal que os prêsos leram avidamente •.. e um, ao lê-lo, gritara: • -"Cá está! Cá está!! Êste corvo foi preso porque o apanharam na igreja com umas beatas a ensinar doutrina depois da noite!" E comentavam: "Não sabias que estavas na república? Agora já não há mais doutrina nem beatices de noite! Isso era dos jasuitas. E a seguir novos insultos, novas blas– fémias ... Vivia-se em pleno rigor da lei da sepa– ração. Ao declinar da tarde, haviam penetrado na sua igreja paroquial, e prenderam-no por– que fazia a "catequese de noite! " ... E onde vinha ainda a noite! Por êste crime ali estava, recebendo afrontas e enxovalhos . . . sofrendo fome e maus tratos ... Passaram-se seis longos dias ... Só um prêso se retraía, e foi deixando de tomar parte no ataque de insultos e zom– barias ao bom Pe. André. E no sexto dia, o carcereiro entrou e leu uma lista de nomes daqueles desgraçados que sairam com êle para interrogatórios. Só um ficou ... Aquele que já ha dias se afastava dos companheiros ... Aquele grande... hercúleo . .. de longas barbas ... Passaram-se momentos. Olhos baixos, numa atitude de acanha– mento, de quasi confusão, embrenhando os dedos grossos nas melênas ne_gras, o prêso ap roximou-se do sacerdote e disse-lhe: -"Padre ... queira desculpar o mal que lhe fiz!. .." Os olhos do Pe. André abriram-se des- medidamente; duvidava do que ouvia! ... Na mesma atitude, aturdido e receoso, Manuel de Maia esperava resposta. -"Perdôo-lhe e a todos... Coitados! ... Não sabem o que fazem 1" -respondeu o bon– doso sacerdote, invadido por extranha co– moção. Depois, querendo desyiar a ate_nção de si mesmo, do mal que lhe hnham feito, disse: - "Julguei que fôssem todos compa– nheiros? ..." -"O meu crime é outro- respondeu - êles assaltaram um comboio, foram apanha– dos... mas, já tinham estado prêsos por mais crimes, fugindo depois. Eu," - e Manuel de Maia contou o motivo da sua prisão. 15 J ... f . . C. B. BÉLEM - PARÁ -Um roubo com assassinato pela ca– lada da noite ... e tinha mais prisões ... mais crimes .. .-e ali expoz a sua vida ... um cau– dal de misérias, de vilezas! Com e ç ar a em creança a ser o que era hoje. Morrera-lhe a mãe tinha apenas seis anos, o pai pouco cuidára dele, ... depois o vinho... levara-o a tudo . . . Deitara-se a roubar. . . envolvera-se em desordens e assim caíra nos · vícios e nos cri– mes, cometendo as mais bárbaras violências. Não conhecera outro viver ... -"E não tem pena de ter causado tanto mal?" -"Agora ... tenho! - respondeu. E o Padre André falou de Deus, àquele desgraçado. Tudo desconhecia!... quando o sacerdote entrara no càlaboiço, julgara-o reu de todos us crimes e malefícios que os jornais atribuem aos padres; por isso o atacara com aquela fúria r.ancowsa ... mas depois ... aquilo do jornal ... a paciencia dele ... não podia ser assim tão mau, como lho tinham feito crêr. . . por isso ... pedia desculpas ... Padre André caridosamente insistia fa– lando-lhe de Deus ... ofendido pelos crimes dos homens ... de Deus, Pai amoroso e cle– mentíssimo, sempre de braços abertos para acolher o pecador contrito 1 Quis que se ajoelhasse . . . -"Tem pena não km? ... E no futuro? -perguntava-lhe-quando sair daqui?" Manuel de Maia respondia simplesmente, com humildade... Via-se que era uma hora de arrependimento, de graça, que passava na– quela alma. Padre André quis aproveita-ta! Visivelmente inspira d o falou ao pobre prêso que o escutava com atenção e timidez. fez-se compreender... e fazendo-o repetir as palavras dum singelo acto de contrição, cerrou os olhos inundados de lagrimas. Traçou sôbre aquela cabeça uma grande cruz de generoso perdão, e absolveu num momento aqueles enormes crimes, duma vida inteira manchada de sangue! Manuel de Maia continuava ajoelhado. Padre André começa a Ave Maria que êle vai repetindo, correndo-lhe dos olhos abun– dantes lágrimas ... mas aquelas palavras são embargadas por fortes soluços. Aperta o peito largo que sente oprimido~ e, de súbito, cobre o rosto com as mãos ex– clamando: ( continua na pagina 17)

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