Quero - 1939

14 ~ J. f .. C. B. BELÉM -· PARÁ -"YÁ ! Entre p'raí !; E dando volta à grossa chave, o carcereiro abrira uma porta e dera a liS VÍTIMfíS traz a cabeça, repu– gnando-lhe aquele contacto. um prêso, que aca- Do livro "Coisas da vida'' bara de chegar, um violento empurrão. Enquanto fechava a porta, uma longa ga.rgalhada, agudos assobios e varios vitupé– rios se ouyiram, entremeiados com estas frases: -"Olha! Um padre!- Mau agoiro!– Pra longe!... Eu não preciso de benzeduras nem de feitiços !-Agora é que êles aprendem! Aqui no calaboiço como os outros! Pois I Não, que era só comer!" E dentro daquelas quatro paredes dene– gridas, foram-se ouvindo sucessivamente fra– ses horrorosas, 'horripilantes, de descrença, de odio sectário; verdadeiras blasfémias. Eram seis os prêsos que tão hostilmente receberam o que acabava de entrar. Estavam ali caras patibulares ! Eram ver– dadeiros facínoras, cujos olhos chispavam ódio feroz, num sorriso mau de troça, de vingança, de malvadez! Barbas negras, emaranhadas, confundin– do-se as cabeleiras com as barbas daquelas faces macilentas. . Roupas sujas, rôtas, na mais asquerosa e repelente miséria. Alguns eram fortes, espadaúdos, homens vigorosos de notavel robustez; e ali estavam cobertos de vergonhas, de torpezas, Deus sabe de quantos crimes, vis e repugnantes! Era de facto um sacerdote que o carce– reiro empurrara, e que os criminosos invecti– varam com infâmias. Teve um momento de desagradavel sur– preza, não só pela hostilidade da recepção, como pelo vil e miseravel aspecto daqueles desgraçados que mais hediondas deviam ter as almas que os corpos. Fôra uma bem angustiosa provação! Depois os presos avançaram para o po– bre _sacerdote, de olhares furiosos, cheios de ameaças ... -"Livra-te de vires para cá pregar!" -diziam; e um dos terríveis companheiros encostara-lhe ao rosto pálido os punhos cer– rados ... Recuara instintivamente, inclinando para por Uma Mãe Cristã cante e raivoso, ·lhe bofetadá ... Foi então que um, de aspecto her– cúleo, de grandes barbas, cabelos cres– cidos, o Ih ar coris- dera uma tremenda -"Bravo, Manuel da Maia! - Gritaram os miseraveis; e logo novas gargalhadas cheias de sarcasmos e estridentes assobios se fizeram ouvir como aplauso a esta proeza, de con– junto com a gritaria que acompanhava tôdas as selvagerias que iam praticando. -"Bravo! Bravo, Manuel da Maia 1 Sofreu, como um mártir. E nem uma pa– lavra soltaram o~ seus lábios, trémulos de dor e de indignação. Durou isto tôda a tarde e parte da noite. Jiraram-_lhe a ração do ~~n~ho, dizendo que ... fôsse vivendo do que Ja tinha comido" ... e gargalhadas, dum cinismo feroz acolheram esta idea ! . . . Assim passara se~ jantar ou ceia, depois da longa caminhada que o ha– viam forçad~ a fa~er, entre apupos e pedradas. De noite nao dormiu. Sentou-se sôbre a enxerga desmantelada que lhe haviam des– tinado, e não foi sem pavor que se viu na escuridão do cárcere, respirando um ar in– fecto e pestilento, ouvindo o ressonar de seis homens autênticos criminosos! · Mas foi ainda, e acima de tudo, a lem– brança do estado daquelas almas que mais 0 apavorou ... -"E dormem, meu Deus!"- murmurou ba_ixinho. Sobressaltou-o o som das suas pró– pr_ias palavr~s ... olhou em torno de si ... dor– miam ... e tao profundamente que não seria facil acorda-los .. . Que sinistras horas! ... O sol ao nascer, quando a custo pene– trou na que Ia triste prisão, veiu encontra-lo sentado como permanecera tôda a noite. aban– donando a sua alma e a sua vida nas mãos de Deus! Os crueis companheiros continuaram logo de manhãzinha os desatinos da véspera, mas a sua vítima estava calma! Serena! Prepa– rada para tudo! Com o rancho de que lhe deram um

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