Quero - 1939

O convento não servia só para escola dos indiozinhos; era tambem refúgio dos enfêrmos e por isso mesmo tinha o nome de Hospital do Sagrado Coração. Na verdade, tôdas as mi– sérias da região passaram por ali, e não são poucas as que afligem êstes indígenas. Já meio catequisados, êstes índios ainda conservavam seus instintos bárbaros e maAifestavam-nos de vez em quando. Porém, as Irmãs Missionárias logo compreenderam como lidar com êstes doen– tes, sem se impacientar nem desanimar. Um ca– nibal, pelo tempo de uma fome, tinha assassinado e devorado a mulher e quatro filhos . Enfraque– cido, quasi paralítico, incapaz de seguir 9s ca– çadores, levaram-no para o Hospital. Na vés– pera da morte, puxou a si a enfermeira, que o tinha tratado, instruido e preparado para a morte e disse-lhe confidencialmente: "Irmã, pa– rece-me que, se comêsse um bocadinho de carne human a, ainda me levimtava !" * * * Embora os índios fôssem os preferidos das Irmãs, ainda assim, qualquer doente, sem dis– tinção de raça ou religi ão, era tratado no Hos– pital, com o mesmo carinho e dedicação. Uma noite, em l 899, época da pesquiza desenfreada do ouro no Klondike, as Irmãs despertaram assustadas pelo barulho de moveis atirados ao chão e de um corpo que caía . Era um dos infelizes mineiros que tinha gelado -as pernas na neve, e que na hora de morrer tinha retinido as últimas fôrça s para se arrnstar até àquela casa, que tinha entrevisto na escuridão. As Irmãs consegu iram cura-lo. Ao mesmo tempo que tratam os desgra– çados que vêm abrigar-se no hospital, as Irmãs não se de6cuidam dos doentes disseminados em grande número pela região . Todos os di as, a Superiora, ca rrega ndo sob a ca pa cinzenta pí– lul as, bisturis, ataduras e água quente, ia, li– geira, pela neve, di stribuir, d~ casa em casa, de cabana em cabana, por tôdas as úlceras, o re– médio e o sorriso da cari uade. E qu ando a ca– ridade não consegue vencer a morte ..._ que tri s– teza! E se os fa lecimentos se mu ltiplicam, como nessas epi demias que, periodicamente, di zimam os Peles-Vermelhas, apressando o desa pareci– mento da raça, não poupando nem mesmo os preferidos do conve nto, então, que de lágri mas não vertem sôbre êsses túmu los, onde deposi– tam os corpos depois de terem enviado as almas 14 J. F. C. B. BELEM - PARÁ ----.., ..... .., ~ ........,,._,.,,V-~~ ao ceú! As miies não choram mais ternamente, nem por mais tempo, os seus filhinhos! Um único obstáculo se upunh2 a êsses ia– crifícios pelos órfãos e pelos doentes: a pobreza, que era extrema. A vontade de Madre d'Youville foi cumprida bem à letra. "As Irmãs não devem ter mais comodidades que os pobres". Até 1899, data da inauguração do actual convento, as creanças dormiam em camas muito originais : prateleiras sobrepostas como uma bi– blioteca, desde o chão até o tecto . As Irmãs, com os pobres catres encostad 1 .l6 um ao' 01,1trt, ocupavam o pouco espaço que restava. Uma deitava, mesmo, na mesa do rez do chão, de onde se levantava de hora em hora para avivar a lareira . Durante muito tempo, não tivera;n nem o tecido próprio dos hábitos. Houve ves– tuário feito até com sarapilheira.-- " Mas disto, nos confidenciava a Irmã Boursier, nada se es– creve à casa mãe, porque temos medo qu0 nos mandem buscar" . Destas privações, a Madre Stubinger fala no seu relatório; " O coração aperta-se, dilata-se, depois torn a-se a apertar ainda , em tais cireunstâncias; é preciso passar por essas coisas para compreender ... A' pri– meira vi sta, .is Irmãs pareceram-me bem dis– postas ; mas vi depois que estão muito depau– peradas. Estas pobres Irmãs são admiraveis de coragem e de generosidade, estão sempre ale– gres e animad as mesmo no refeitório, onde fazem no entanto tão grande mortificação. Tem todos os di as dois pra tos invariavei5: peixe e batata. Uma vez por outra, um biscoitinho. Só comem sobremesa em casos excepcionais e esta não passa de arroz, maçãs secas e frutinhas agresteg. Quanto à quantidade, apenas o indis– pensavel para sustentar o corpo. E por cúmulo, aind a muitas vezes os gafanhotos destroem todo o pomar . .. Quando me lembro dêste fl agelo, meu coração se parte ao ver que até o estrita– mento necessário ta ntas vezes lbes falta ..." Mu itos anos depoi s, ainda a Madre Stu– binger se @ntri stecia e chorava ao recordar os sofrimentos e privações das Irmãs do Norte. Agora, é a Irmã Wartct que nos conta : "A co– lheita das batatas foi bem insignificante. Nem um pedaço de carne no barracão. É uma qua– resma antecipada qu e, ali ás, se pro lon ga rá in– defin idamente. Entretanto, não nos custa muito– o peixe é ti\o bo rn ! Gostamos tanto de o comer que, segundo me parece, morreremos de ve– lhice ! Os legumes f5ram todos devorados pelos gafanhotos. A Irmã Brunelle, depois Llc lhes ter

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