Quero Outubro - 1938

' . Minha Heloi'sa, Lendo a tua carta compreendi a tua vida i s o Ia d a e triste nesse logarzinho tão desprovido de confôrto espi- ritual e moral. Realmente é dificil encontrar atracrivo no ~anorama dessas longínquas paragens, por sen– tires a ausencia de uma pequenina tôrre, enci– mada por uma cruz· Mas a falta de uma igre– ja não deve ser a causa do teu grande tédio. Lembra-te dos santos missio11ários que, inter– nando-se pelas regiões incultas e selvagens, sentem tambem essa grande saudade- saudade do alimento da alma. Tu tambem poderás imi– ta-los; na falta dessa cruz, dêsse sustento, pro– curar pelo desejo o consôlo. Creio que se êste teu querer fôr de todo o coração, chegarás a encontrar um confôrto só pelo pensamento. Naturalmente, para isso terás que muito lutar e, se passares horas e horas meditando, não terás talvez ainda a fôrça suficiente para pre– encher esse vácuo. Parece-me que ao teu tem– peramento vivo convem juntar a acção à medi– tação. E há tanto em que empregar a nossa actividade ! Quando passei uma temporada fóra da cidade, me perguntei : como poderei ocupar rodo o dia, aqui neste sítio?.. . Uma pessoa amiga mostrou-me um meio- "Ha tanta gente, sofrendo da alma e do corpo, precisando de palavras amigas, confortadoras; vá fazer-lhes uma visitinha". Sinto hoje tanta alegria de não ter deixado passar aquele momento único. Penso que poderás fazer como eu. Vae, entra nesses lares que esqueceram quem os creou. Procura as moças de tua idade, fala-lhes com amizade e com o entusiasmo da tua juventude, expli– ca-lhes as belezas da nossa Religião. Muitas nunca ouviram o que irás dizer, ficarão atentas, 17 .. J. F. C. B. BELEM - PARÁ e, se tua palavra for convicta e sincera, terás a Titória. Helo"isa, aí, nessa quasi selva tens um campo muito mais vasto a conquistar, a cul– tivar, do que eu nesta cidadé civilizada! Na nossa capital , as tempestades, as ondas de pa– ganismo já maltrataram as árvores, que aí estão ainda viçosas e sadias. Tu, o mensageiro da Verdade, precisas apenas de uma gota dagua, para que a planta produza óptimos frutos; en– quanto eu preciso de litros e litros para con– seguir alguns frutos, às vezes tão mesquinhos, porque nascidos sôbre galhos ha tanto tempo privados da seiva vitalizante. Quando li a tua carta pensei: pobre He– lo"isa, morar num logar assim! Mas, quando reflecti exclamei: que sorte tem ela, vive num "mundo" a conquistar! Cheguei a ter inveja dessa graça que te foi concedida. Lê a legenda da nossa Revista "Quero" do mês de Outubro-QUERO! Aceito, porque sei que da minha aceitação, como de um novo "fiat", ha de vir ao mundo uma aurora redentora. Enche-te de coragem e começa o nobre trabalho. Mas, digo-te logo, é possível que durante muito tempo não consigas nada e penses então: - Foi uma pura perda todo o meu esfôrço. Em vão semeei e em vão me consagrei apóstolo da verdade; quanto trabalho inutil ! Nunca trabalho feito com amor, qualquer que seja, foi feito em vão. Lá vem um dia, quando menos se espera, que as sementes, qu~ julgávamos mortas, brotam. Uma vez, encontrei uma frase tão linda a êsse respeito-"Ohl mis– térios da alma humana". Se insisto sôbre tal ponto é porque co– nheço a nossa tendencia de desanimar com a primeira nuvem desagradavel. Empreendes um novo trabalho, para o seu sucesso precisarás ser indulgente e zelosa. Pensa que Deus te confiou uma missão ao te colocar assim rica de luzes da inteligencia, no meio de creaturas tão desprovidas dêsses dons. Se c h e g a r e s a compreender esta responsabilidade estarás então pertinho do triunfo. Espero que me entendas bem. Escreve-me, dizendo se, vivendo, agindo e pensando como o vais fazer, encontraste a Felicidade tão procurada, A tua Zeneide ·

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