Quero Outubro - 1938
Preparando oNatalk @0 ~ Essa surprêsa, que me sacudiu como um solavanco, ficou sempre nítida e viva na minh a memória com a mesma acuidade. Eu desembarcava no Rio, há poucos anos, para uns mêses de férias; estávamos em No– vemb ro. No cais, de um lado e de outro, saindo de lábios muito vermelhos, borboleteante, quasi estalando como pipocantes foguetes, a pergunta carioca era arremessada dentro de meus ou– vidos como rápidas flechadas: "Vens passar o Carnaval no Rio ? " Fiquei aturdida... O Carnaval?! Não tinha pensado nêle; não tinha ido passar o Carnaval no Rio.-Não ... não vim passar o Carnaval no Rio. Não ... não vim passar o Carnaval no Rio." Era preciso responder vinte, trinta vezes, a 20, 30 preg~ntas idênticas e, a cada resposta, eu compreendia que a minha cotação ia des– cendo de nível no termómetro social daquelas cabecinhas tão bonitas, tão bonitas . .. sem mais nada. A temperatura da minha estima ficou abaixo de 35° centígrados ... álgida. Quem lhe daria , agora , uma injecção de óleo canforado? Mas, tinha sido instintivo, do fundo de mim mesma ; não pudera deixar de arregalar o meu espanto-oh ! tão burguês!. . .-ao notar o pulo desdenhoso, ta 1 vez inconsciente, que aqueles pezinhos ageis davam sôbre o mês de dezembro, para mim tão cheio, indo cair logo no mês de fe– vereiro, anciosos por sapatearem em "foxs" e "cobrinhas". Ninguem se lembrava, então, das festas de dezembro? ! A ninguem acudia a idéa da próxima reünião familiar, para me dizer: Vais ver como é o Natai no Rio?! Eu sentí, imediatamente, um vácuo, um isolamento, um deserto naquêle cais borbulhante de movimento, ressoante de risos, envernizado pelo "rouge", pt:lo "bâton" e pelo "himmel " como um cartaz gritante de drogaria. .E, sem o procurar, fiquei tão longe de todos, ref~g1ada na noite branca do Natal , onde, durante a Vl8gem, já tantas vezes an inhara o meu pensa– men to, tiritante de saudade da casa e dos meus... , ~fa tal ! Desde pequena , quando sôbre o ca– l~ndari o os dedos iam folheando o pequenino h~ro de 30 páginas do penúltimo mês do ano, mmha fa ntasia se estirava sôfrega sôbre o mês 14 J. F. C. B. BELEM · PARÂ seguinte, que eu via sempre coroado pelos reful – gentes astros dessa noite encantada. Que de sonhos minha infância feliz teci a ao imaginar, por horas e horas, a festa que ia retinir no seio da familia o bando alegre dos primos para a viva farândola em redor da árvore do Natal , toda scintilante sob os festões prateados e os globos multicores, - que o carinho de uma Avó sorridente levantava , com esmero do co– ração, no centro da sala acolhedora! As férias do Natal eram para mim alguma coisa como um vitral encaixilhado nos dias sérios de estudo, onde a minha ânci a de espiritualidade, ainda confusa,- mas imperiosa como um instinto - admirava, embevecida, as côres do arco íris e riquezas mais surpreendentes que os faiscantes tezouros de Aladin. E essa sedução ficou sempre pela minha vida fóra: quando o coração mais formado co– meçou a magoa r-se com o conhecimento da mi – séria de outros lares, quando comecei a dis– tinguir o doloroso contraste entre aquela creança caprichosamente encaracolada que penetrava na l~ja tentadora e a outra, desgrenhad inha, que es– pichava uns ?lhos roxos sobre o vidro grosso da montra r~b:1l hante ; quando, na que Ia cidade onde havia m~erno, eu, numa sala tépida, pegava e :epegava minhas bonecas, meus palhaços e mm_has :str~las de prata, e me lembrava que havia maozmhas geladas e . . . vazias • quando todo êsse ~ e s_e j o !nsatis~eito dos outros veio ~o~rar: a prime1_ra raiada fria por cima da minh a mfancia que tmha casaco ~ podia ter desejos -ah! _mesm~ com o coraçao magoado, aq uele meu hndo vitral de sonho e de verdade ficou semp_re emi:1oldurado na catedral já sombreada da mmha _vida, como um sol nascente que tem sempre ra10s de ouro mesmo sôbre os destroços de um campo de batalh a. E ês~e raio de sol, ês~es tons de alvorada, eu quereria que todas as vidas os tivessem Se pudéss~mos, nós da ''.Juventude", acender· um pequenino _sol de amor em cada vida que, em redor de no_s, só tem as trevas da noite? Ah! po– deremos, _sim_. Vamos, ?esde hoje, preparar 0 Natal: primeiro, em nos, depois, nos outros. Humildes, mas cheias de ca ridade apren– d~mos de S. João Baptista a prepara~ os ca– minhos do Senhor. Pequenino, tenro, o nosso "Menino" vae nascer. Seu_corpo-jasi:1im vae desabrochar. Que– reremos deita-lo no leito rude e espinhoso dum
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