Quero Outubro - 1938
J. F. C. B. BELEM - PARÁ Que te te– nho a contar?! Que te hei-de contar duma terrinha do inte– rior, onde os dias cor– rem pacatos e iguais? Tua carta veio trazer-me uma bafo– rad a de ideal ... Acção Católica ! Que progra– ma ! Ah ! minha querida Zeneide, é bem dife– rente a vida em Belem da que se vive-vive? - num lugar como êste: uma centena de casi– nhas, um povo rude e ignorante, com que não tenho afi nidade, e ... nem sombra de igreja! Compreendes o que isto representa de abandono para a alma e de vácuo para o co– ração, tu que podes ir à Missa dia ciamente? Que hei-de fazer? Leio. Lembras-te quando meu Pai me mandou vir do Colégio, com a promessa de ficar, ape– nas, um ano, aqui, enquanto punha em ordem os negócios? Bem sabes: já lá se vão 3 lon– gos anos ... E eis a tua amiga-uma matuta, que já nem saberá tomar um bonde, sç aí voltar. Leio ... Tenho lido muito. Primeiro, sa- esta enumeração incompleta foi a regra ge ral adotada pela fundadora e que se tornou a pa– lavra de ordem das Irmãs "Grises": "Elas es– tarão sempre prontas a empreender todas as boas obras que a Providencia lhes oferecer e para as quais estiverem autorizadas pelos seus superiores." Ora, ao mesmo tempo que os lábios pro– feriram tais palavras a mão já trémula, escrevia: "Sômos dezoito irmãs todas enfermas, que di– rigimos uma casa onde ha 70 pessoas para ali– mentar e quasi outro tanto para manter. Pou– quissima renda, a mai consideravel é a do nosso trabalho que diminuiu dois terços desde que estamos sob os inglêses. f empre com o risco de tudo nos faltar, nada nos falta, pelo menos o necessario. Admiro todos os dias a 18 tisfazia-me com uns romancezinhos côr de rosa, muito piégas e muito falsos. Não zo111bes: não podes, talvez, imag inar como é dificil dirigirmo-nos, sozinhas, num êr– mo dêstes, em que tu d o que nos cai sob os olhos é alimento apetecido para o tédio das longas horas. Depois, tudo isso me aborreceu. Aquêles entrêchos balôfos, de um sentimentalismo doen– tio, enojaram-me, e envergonho-me de lhes ter dado, algum dia, a minha atenção. Queria outra coisa; sentia-me tão vazia ! E Anita enviou-me uns 1i v ro s que me con– solaram: livros de piedade, que me revelaram inefaveis belezas espirituais. Mas, pouco depois, já isso me não basta– va; já me não basta, Zeneide. Sinto-me, de novo, sem orientação. Que dêvo fazer para encher o tempo, que te é tão escasso e que a mim me sobra sempre? Não sou capaz de meditar mui– tos minutos -a contemplação não é o meu forte . Sinto-me cheia de fôrças e estão mani– etadas . . . Estiolo-me . . . Há momentos em que, triste e desanimada, acho minha vida inutil. Manda-me o livro que me recomendas: Esplendores da Fé - do Pe. Rohden, mas, man– da-me, sobretudo, uma palavra de salvação; o apostolado a que te entregas deve encher-te a vida de alegria e o espírito de exuberante riqueza. Reparte-as com a tua isolada amiga clfe!oisa divina Providencia que condescende servir-se de tão pobres creaturas para fazer algum pe– quen ino beneficio". Estas linhas, imagem da vida inteira de Madre d'Youville, foram traçadas um ano antes de sua morte. Na sala das reüniões intimas, em todc, s os conventos das Irmãs "Grises", no luga r de honra, grandes letras emolduradas repetem con– tinuamente as suas ultimas recomendaçôes, tes– tamento sagrado de uma Mãe veneranda : "Minhas caras irmã , ficai sempre fieis ao estado que abraçastes; caminhai sempre nas vias da regularidade, da obediencia e da morti– ficacão; mas, principalmente, fazei que a mais perfeita união reine entre vós." (Contlnúe. no proximo número)
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