Pará Ilustrado - 1943
r I , (Continuação da · págµià 26 -Primeiro mostra o l_og_!lr. ·Fala-·de preço depois . Fôram até a palhoça . Chão de terra 1,atida. Uma um~ de ferro. Uma tarimba. Uma mesa . Um fonógrafo . Um pedaço d-e espelho cravado na madeira . Cheiro de snór de negro . E, màis adiap– te da palhoça, uma ontra, de estacas-. - E' essa qne- en aln_go . . . Dois pesos . - A palboça de estacas 7 - - Está bôa. Não tenho melbor .. . O ·polaco entron com ~ mulber e I!- filba . A poíaca chorava. A meninà -cantarolava uma can– ção européia. O pol,co estava, pensativ<>. E IÕgo disse com a voz fatigada e triste : - Mas que calor ! ..•. Mas qui, •calor ! E quando êle chegou ao canavíal, ·José Can– delário o encarou sorrindo : - Benvindo sejas;_ polaco . Onde foi qne dei– :uste a tna linda mulher 7 Germán, para exibir a sua habilidade e para demonstrar-lhe que todos sabiam: muito bem qne êle jámau havia ;ido corfador, pegou núma cana, cortou-a, limpou-a das folhas e atir.on -a longe, na pilha compelente.- · -E' assim que se faz, pontificou. Policarpo pergnnton-lhe com sarcásmo : - Não fronxeste a máquina de escrever 7 O polaco · sorrin, com amarga tolerância, e encolheu os ombros . Ao cruzar com Smith, o iamaiquense, e Pi– pean, o haitian~, os míseros cortadores ~ olhar!lm de revés, como se · f.3ra - nm leproso ou· um espan– talho. Germán, que apreciára a cena, tudo expli- · coa, entre risada.S : - Não querem nada contigo, polaco . Acham qne tú vens da Russia e sabem que· não tens o há– bito de lidar co~ as - folhas' de cana ... · éom o frio intenso de .fevereiro, as canas esa lavam tão frias que faziam doer as mãos . Esta– vam cobertas de orvalho gefailo. ,E as boias do polaco, encharcadas dágua, ·•faziam-no tremer, ape• sar de vir de países nórdicos . Manejou com brio a machadinha . Sabia que se não -trabalha.sse _bem, não consegueria, comida para os seus, que o elpe-– ravam no fund_o da palhoça de esta<:as . E vibrava os · golpes com verdadeira fúria. Os. óutros 9 olh·avam com malícia . - Vai se cansar logo. . . Assim, não chegará nem. a doze ... Aos doze, ainda golpeava, mas muito fraca– mente . Caía de cansaço. 0s óculos dansavam di– ante dos olbos . O rosto páli1lo, extenuado, anun– ciava o fim -da resistência- .do organismo . Dobra– vam-se-lhe as pernas. As mãos ·entumecidas e tin– tas de sangue já não dominavam a macha_dinha. O corecão batia descompassado . Os outros cortado– res ·estiva~ longe. Õ polaco . .não . ;abia porqne Koffka não estava jro canavial . Quís procurar ou- _ tra proteção . Olhou em ·torno . Sua vóz débil foi apagada pelo rumor do canavial . Lá longe,l"oti– carpo cantava . E aquele canto foi ficando cada vez mais tênue; mais 1onginquo, diluido em nma obscuridade -pesada e horrivel . O polaco caíu de bruços. Quase não respirava . Veio à noite· e to– dos se foram .· Ningu'em se lembrou dêle . Nin– guem perguntou por êle·. Uma raposa· passou entre as canas, em busca de pintinhos . Pia-vam as coru– _ias . Milhares de sapos c~axavam com rouca msts• tência . , Caíu um chuvis.co fino . O polaco sai11-- do ma– ra,smo,· despertado pelàs g_ôta,;_gÚe lhe caíam no rosto. •Mas não podia levantar-sê , O .corpo. doía– lhe horriveltente . Lá longe, Kof(ka - e Gerll'~n o procuravàm, cÓm lanternas de petróleo . Qnís gri– far mas não poude. - Franz! . . : Franz ! . .. - gritava _Germán. Polaco-0000 ! A polaca lambem "saía .em busca do marido. A filha ficou na choupana, nos 1iraços da negra Merenciana. E como gritasse pelos paiS: ~aflita, a negra deu-lhe uma tapon'!,. A guría fincou os den-– tin!tos no braço da lavadejra . Merenciana, empu– nhando um chinelo, surrou-a até não poder mais ... - Enquanto isso, a linda polaca explorava os canaviais . Que escuro, que horrivel ! Nisso, ou- 20 -= 2 -1945 ~~~-~~~~~~~~~~~~~~_,.;_,~~ . . . viu passos. Estacou, gelada, sem poder mover-se . Uma p·edrada destroçou a lanterna que levava e tudo ficou envôlto . em trévas . Um homem forte, maciço, se aproximou e .tomou-a nos braços. E. quando a beijou na boca, ela, furiosa, !ibfoií-lhe ' úma canelada. Devia". ter doído, pois êle respon– deú co·ni. u.;:,a bofetada tremenda. - Quieta ou .te mat o ! . ·. . Vem L .. E a de~ruLoõ'-a nas ervas . Koffka e Germán passaram bem perto, à procura dõ polaco . Ela já ia ..gritar -quando . . . · - Silêncio ou te estrangulo ! E duas mãos calosas · lhe- rodearam a gargan– ta, começaram ' a sufocá-la . Ela ficou calada e imovel na escuridão . Aí o homem deitou-.se sobre ela . O ~Ju se cobriu de nuvêns e ··á lorte ~enta– nia apagou, mais ' de. uma vez, as ·lantehtas de Ger– mán e de Koffh. Mas depois da meia noite, vol– taram a luzir as estrelas . E o frio cada vez mais intenso. '-Escutando passos, o pola~o quís erguer– se de no;<h Não poude . Proc'llrou e11xergar . No céu, a luz foi ficando· mais clara ainda . Conseguiu ver então . Eram dois homens. Tinham acendido fogo e cozinhav,am algo -em duas latas. Em uma, o polaco viu ervas arrancadas no mato . Na outra, aqueciam duas preás . O olhar -daqueles infelizes •denunciava uma fome) devorad,;,ra. Estavam fe– ridos a bala. Viam-se-lbes grandes ataduras, nos braços e na cabeça . - Que dia horrivel ! - Pobre Andrés ! . . . Caíu a meu lado ! ... rês b,la os .no p~ito . A metralhadora fazia : taca~. . laca . : . " "làêã. . . taca . . . taca .. ·. ; e tu;– como escapaste ? - Me deram por morto . . . lieni _um tiro no ombro . E tu, como que estás vivo ?' . ......_ ~ Eu os vi chegar e fui eu- quem deu o gri: to de "fujam, que aqui estão !" e me lancei à fuga. Corrí, corrí como um veado . . . Me. perse– g~am _a tiros . . . Mais de cem tiros . . . Mas conse– gu escapar . . . Comeram, em seguida, no escuro. O polaco escutava, no meio do silêncio, o ruido da mastiga– ção . Eram fugitivos famintos . Caminhavam e co- PARA'. ILUSTRADO · miam de - dia . Dormiam de noite. ' E-stavam feri- dos, talvez morfalmente . _ _ ·. ' -! Agora, dísse um, me "'dá um fósforo . . -Para quê? -,- Vou iluminar o canavial. Prépara-te para ~ir. . .- ,. Acendeu o fósforo. E,. à sua luz débil, o po– laco percebeu um rictus dé gozo · di~bólico. Foi só um instante . -Logo- desàpareceu. entre as 'som– bras . E brilhava a.gora ·no sólo uma chama .qne crescia cada _vez màis . ·togo se,.,sentiu um chei– ro forte de fumaça. lmplacavel, a _chama se · multi– plicava fOm ânsia _destruidor'!,·. Escutou ao longe a voz de Koffka : - O canavial pegou- fogo. ! . ... Fogo! ... , Fogo!. .. -" E ouviu, lambem,- a . voz da sua p11laca, não . muito longe, que dizia, chorosa, em· sua ,língua.: - Maldito sejas, infame ! E's um covarde des- preziv:el ! / ' O canavial ardia, num mar de chamas . Um calor de fornalha queimou-lhe a péle e os pêlos. Por fim, o polaco·, agoniado ·por tanta dôr- é tan– to mêdo, desfaleceu. · Em sua volta, tirdo ardia , As labaredas, intrépidas, polifo.rmes, subiam, por entre estálidos alegres, tornando rubro o- próprio céu. Arderam as roupas d9 • polaco, ainda antes do contacto com as chamas devastadoras . E"stas logo chegaram, impetuosas, para apagar, de Üma vez, da face da terra, , a ima.gem do infeliz imi– grante . ·VinhaJI! rastejando como a raposa óu como uma ratazana assustada . Por último, o envolve– ram e cobriram . O ·corpo, inérte, porem com vida, se ccntorceu ante a horrível carícia. Logo teve nm estremecimento, a)!tes de arder rapidamente com um naus,ea-hundo cheiro de carne queimada. Lpnge, ouvia,se gritar a polaca : -Franz! ... Meu Fr-alÍz ! ... Vem! ... Va– mos embora deste inferno ! Vem ! E a me;,_inà, sub)ugada pela negra Merencia-– na, chamava pelo pai au,;enle e fazia desesperados esforços para. escapulir ; - Papai Franz ! . . . Papai Franz ·!... P'!1 que não vens, papai Franz ? (TTadação de SéTgio CoTrêa da Costa). -35-
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