Pará Ilustrado - 1943

Ano VI Num.º 127 Red. e Of. : Trav. Campos Sales, 115 Diretor-propriet_ario - JAIME DACIER LOBATO Redator-cheH! - SANDOVAL LAGE Secretario - bELIO D. LOBATO FO N E . 2 7 9 BeLem DO PARÁ, 9 08 JAíl81R0 08 1943 íllílC~ílDO D~ · ílSS S O O ílDJOT VO 1 EMPREGO inteligente do adjetivo é uma das condições de exito no estilo. Há, evidentemente, uma inteligencia secreta, que move as palavras, e as faz adquirir ou perder os relevos com que as sen– timos. A natureza -gramatical do adjetivo condenou-o a uma posição inferior na frase. · Deu-lhe uma tarefa secundaria, qual seja a de modificar o nome, emprestando-lhe idéias de qualidade e determinação. Além dessa simPles atribuição, possue o adjetivo um po– der que escapa..ao espaço limitado da gra– matica. E' uma força oue está além do ra– ciocínio didatico e só a"'unaginação pode re– velar. Há quem empregue muito o adjetivo. Em– pregar muito não é, porém, empregar bem. O desperdicio do termo, frequencia com •que aparece na frase. já levou os criticos a criarem uma classe para os autores que or– namentam excessivamente o estilo : escrito– res adjetivos. Coelho Neto, por exemplo. Padece o 1/bi– de romancista da exuberancia vocabular com que nutriu a sua obra. Recebida a princi– pio com entusiasmo, em breve com~ou a sofrer as restrições naturais, desmerecendo á proporção que o gosto dos seus leitores vol– tava ao equilibrio. Houve, então, quem le– vasse a má vontade ao ponto de declarar que, suprimidos os adj~tivos, nada ficaria na obra do insigne prosador. Os que condenam o emprego do adjetivo não sabem estabelecer a diferença que vai entre usar e abusar deste. O estilista de "O Sertão" não usou apenas. Oeu á frase uma sobrecarga que lhe comprometeu as galas ·da expressão. Foi o seu erro. Erro continuado pelos imitadores e agravado p!;llos que vieram depois. rJ.1iic0- Da Academia Brasileira A época de Coelho Neto passou. Acabou– se a " coelhonetizaçáo" da literatura, como o neologismo dos modernistas batisou certo periodo das nossas letras, em que sobravam os ornatos e escasseavam as idéias. Veio então o advento dos escritores subs– tantivos, isto é, daqueles que punham todo esmero em "~crever diferente", deixando de lado, por inutil, o adjetivo, e condenan– do-lhe o emprego como forma de reação ao uso que desfrutara. No fundo, não seria propriamente isso. Seria, a.ntes, a maneira de esconder certas deficiencias, porque o uso do adjetivo impli– ca em responsabilidades muito maiores do que, geralmente, se imagina. Requer, ao mesmo tempo,. inteligencia e propriedade, graça e raciocínio. " O substantivo - escreveu numa analise interessante o senhor Francisco- Patti - está ao alcànce de todas as penas. Basta mer– .gulhar a pena no vasto tinteiro dos sêres e das coisas. O adjetiv~, não. Dá o substan– t.i.vo idéia dan_uilo que pensamos. Mas a força, a intensidade e o relevo do que pen– samos são atributos que só o adjetivo pode– rá exprimir. Para quem escreve, é o adjeti– vo o grande obstaculo". Com efeito. Não basta conhecer os ter– mos. E' preciso coihbiná-1!!s de maneira que a frase adquira a vida que se lhe quer dar. Não é o numero nem a raridade dos adjeti– vos que faz ou enobrece um período. E' a combinação, a oportunidade, o jogo. A proposito disso, rememora o senhor Pat– ti a passagem de Jean Jacques Brousson em seu retrato intimo "Anatole em pantoufles" . O indiscreto secretario do mestre de "O jar– dim de Epicuro" apresenta como lição aos plumitivos o conceito daquele quanto ao em- prego do adjetivo. Outros procuravam ou achav~. no verbo toda a força da frase. Ele, nao, Era ao adjetivo que ia buscar o se– gredo e a graça de sua prosa. E aplicava esta regra desconcertante, mas procedente : "Apesar do adjetivo concordar em genero, numero e caso com o substantivo, o desa– cordo é o que convem muitas vezes". Passando ao exemplo, explicava: " sempre que tiverdes de empregar junto ao mesmo substantivo dois adjetivos, fazei que um ex– prima o contrario do que exprime o outro. Nasce desse desacordo a graça, a força dope– ríodo. Não digais, tratando por exemplo de padres, que eles são "magnificas e piedosos" . Esses adjetivos chegam ao mesmo fim por vias diversas. Ambos dão solenidade aos pa– dres e á frase. E' preciso contrariá-los. Di– zei : " padres piedosos e obesos". Qualificando-os destarte, parecia ao esti– lista que a expressão ficava muito mais fiel e . . . proxima da verdade. O sentimento revelado nessa expansão de Anatole France demonstra o cuidado que ele punha na adjetivação da frase, de modo que esta ganhasse as intenções que lhe trans- mitia. Não implica, entretanto, em privilegio de estilo. O nosso Machado de Assis, sem confessar essas tendencias, punha-as em pratica por sua conta, dando aos períodos a leveza. -e o encanto que todos lhe reconhecem. · Desco– brira paralelamente o segredo oue a indis– creção de Brousson muitos anos depois re– velaria, como uma das notas que abriam o entusiasmo de todos os livros de seu mestre.

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