Pará Ilustrado - 1943

. ~ Om8DíllHílO P8R0 00 ! { Dois contos num só conto, bri-? Ihantemente descrito e engendra.do por JOSE' FRANCES, o contista espanhol autor de "Cuentos dei Mar y de la Tierra". ~~ Aquele rapaz apareceu, surgindo. dentre as ãrvores que formavam o pinhal. , Conchita e Maria Luiza soltaram um grito. Os h.omens voltaram-se assustados. _Era um mocetão moreno e esfarrapado. Tinha os olhos sombrios e sorria de um modo feµno, mostrando a alvura dos dentes. Um nuxto de hungaro e gitano, sua indumentã– ria não inspirava a menor confiança. Don Pablo, o pãi das moças e Antonio o noivo de Conchita, despediram-no. ' - Não hp, nada... Deus o favoreça. O vagabundo disse sorrindo : ~ Eu não peço esmola. E ao dizer isso moveu negativamente a ca– beça. Seus cabelos negros e longos, açoita– ram-lhe o rosto. - Ah !. . . Queira perdoar-nos então - emendou Don Pablo. - Eu vendo minhas canções. Vendo muito barato minhas lendas. Eu sou "contista"·. Conto histórias em troca de dinheiro. Todos ficaram assombrados. Eram bem es– tranhas tais palavras e mais estranho ainda aquele filho do Sul, sob as brumas de Astu– rias, no alto de um pinhal. - Romances de crimes? - disse, final– mente, Antonio - Não, não queremos, bom homem. O vagabundo voltou a mover enérgica e ne– gativamente· a cabeça. Seus cabelos açoita– ram-lhe novamente o rosto moreno e ossudo. - Não são romances de crimes. Eu conto histórias de amor, de guerreiros . Lendas me-i dievais. Elas· não vão escritas em papéis ... Eu as levo em meu cérebro e algumas em meu coração. Porem, advirto-lhes, estas ul– timas custam mais que as primeiras. Falava lenta e ritmicamente, com uma al– tiva serenidade de poéta. Erguido como es– tava, contra o sol, sua silhueta se obscurecia e parecia recortada, nitidamente. Por trãs de si, ao fundo, ouvia-se rugir o mar Can- - tálerico. . E' curioso .- murmurou Conchita. Maria Luiza, já. perdido .o medo, escutava-o com curiosidade. - Se quizerem, posso contar-lhes alguma história. Do contrário, fiquem com Deus e .sejam felizes. . Antonio respirou tranquilo ao vêr que po– dia continuar com sua noiva, a palestra in– terrompida; Conchita, porem, chamou o va– gabundo. - Psiu ! Bom homem ! Não se retire tão depressa. Flque e conte-nos uma história. Maria Luiza, de contente, bateu-palmasillon Pablo sorria. Antonio, dando de ombro, mlll"– murou entre dentes : - Meu Deus, mas que vontade de ouvir bobagens! ... O "contista", porem, já se sentáxa no chão , cuidadosamente limpo e se dispunha a ini– ciar uma história. Custaram as duas moças, em entrar num acordo. Conchita queria uma história de amor; Maria Luiza, de guerra e divertida, coi:no aquelas que sua avó lhe contava, de palhaços pantomineiros. - Decida o senhor, papái - acudiram am– bas a Don Pa-blo, porque Antonio pegou num jornal e começou a lê-lo com visível contra- riedade. , o pái disse, sorrindo : - Um termo médio, amigo. Conte-nos uma história de amor que seja divertida. o "contista" franziu a testa. Homem do Sul, o amor não era nunca para ele uma di– versão. Mas enfim. .. Calaram todos. Mais abaixo, do outro lado do bosque, soava a rude cadência do mar. A brisa, suave vi– brava, nos eriçados ramos dos pinheiros. - Escutem, pois, - começou o "contista 23-1- 104-3 - Em nome da Virgem, dona e senhora abso– luta do mundo, que onde estã séu nome tudo estã bendito, e o mal como um lobo covarde retrocede ... Hão de sabei:, -meus ouvintes, que, alhures, só conhecido pelos livros eru– ditos e os conselhos que se dão junto ao fogo para espantar o sôno dos rapazes e desper– tar o amor ás moças, houve urna princesa. Calou após estas palavras. Elevou os olhos ao céu e ficou suspenso, como que buscando urna aventura para aquela princesa. Conhe– cia-se-lhe na voz lenta, na dição de sobra clara e rítmica, .que assim começavam todas as suas histórias. - Porem, haveis de saber ·- prosseguiu - que essa princesa não era dessas mulheres que se faziam amar pelos seus suditos, pelos dotes de seu coração, mas, sim, pelos homens, por sua rarissima beleza. Forrnósa como um exércifu atravessando, vencedor, o campo de batalha, a sua beleza estonteante ofuscava a vista. Tinha, porem, a alma tão dura como os mármores de seu palácio e como o bronze dos canhões que a defendiam do mimigo. De ITl illa1ITl ITl~ [Il (D ~ ~ (!) ~ nação em nação falava-se daquela forrno– .sura e daquela crueldade. E no mesmo ca– minho se encontravam os luxuosos sequitos dos príncipes estrangeiros que vinham soli– citar sua mão e os grupos de aldeões que fu~ giam, depois de vêr arrasados seus campos e destruídas suas vivendas pela cólera da princesa. Assim as coisas e posto . que na vida há algo, alem da dôr e do amor, que não respeita os corpos suarentos dos escra– vos nem as corôas dos príncipes, por capri– cho deste algo que é a casualidade - a prin– c~a perdeu um medalhão seu que valia mi– lhões de moédas de ouro. Era o tal medalhão obra dos melhores artistas do reino. Era for– mado por trinta ~rolas vinte brilhantes e vinte rubis, alternaãos por tão sábia e artís– tica _maneira, que todos quantos o viam fi– cavam absortos com-tal maravilha. • Ao centro da referida raridade, o retrato em esmalte, da mãe da princesa, mulher portadora de tão peregrina formosura como de bons e nobres sentimentos. Matou-a o desgosto de vêr sua filha, formosa como ela, ser só capaz de praticar o ~l. O povo e a nobreza conservavam o culto á rainha Ma– crina, e somente esse culto sustinha a prin– cesa Alicia no palácio de mármore que olhava por um lado o mar profundo e via pelo· ou– tro sair o sol todas as manhãs. Diziam os que bem informados estavam disso, que a princesa Alicia tinha mais estimação ao me– dalhão que ao retrato, e assim foi, que, ao perdê-lo agitou todo o reino com suas la– mentações e juramentos. Os soldados da princesa assaltaram as casas, invadiram os palácios, correram os bosques e ainda ma– taram vários homens que, cégos pela cubiça, -PARA' ILUSTKADO se ofereceram para baixar· ao fundo do mar em busca da jóia maravilhosa. Porem, a jóia maravilhosa não apareceu. O "contista" fez urna pequena. pausa e depois prosseguiu : - Desesperada; afogada. em um pranto in– finito, rasgados seus vestidos, estava mais formosa que nunca pela febre e pela cólera que a tinham sem sôno e sem gosto, nem siquer, para a crueldade. Por fim, urna ma– nhã, saíram cem soldados a percorrer as ruas da cidade, anunciando que a princesa con– cederia um beijo de seus lábios e mil moédas· de seus tesouros á. pessoa que lhe entregasse o medalhão. Transcorreram dois, três, cinco, dez, vinte dias . . . e o medalhão não apareceu. Pela segunda vez saíram os cavàlerianos do palácio de mármore da princesa Alicia, apre– goando que ela outorgaria sua mão e 1sua corôa ao homem que lhe devolyesse .o oJ?jeto perdido . E transcorreram mais doIS, cmco, sete, p.ove, doze meses, e o medalhão não apa– receu . Então a princesa compreendeu que não era a cobiça o que obrigava a reter, oculto, o medalhão, e, pela terceira vez saí– ram os homens do palácio, apregoando que a princesa dizimaria todos os homens de seu reino - menos os do seu exército, natural– mente - se não lhe apresentassem no prazo de oito dias, o medalhão, somente o meda- 1.hão, podendo c~nservar ? retrato da rainha Macrina, se assnn conviesse para quem o achou ... E pedindo um cigarro a .Don Pablo, depois de acendê-lo, o rapaz, cuJos cabelos açoita- vam o rosto pálido, continuou : . . . - Na mesma tarde do primeiro di~, soli– citou ser ·recebido pela princesa Alicia, \llll camponês, dizendo que levava consigo o me– dalhão . Era um homem alto, forte; os anos curvavam o seu corpo como o vento curva uma palmeira de grande altura. Tinha os olhos dôces, a bôca desdenhosa, o rosto. de,– formado e o vestido em farrapos. Ao ver-se na presença da princesa, ajoelhoU-5! e lhe entregou o medalhão, só o meda~ao, com suas trinta péro1as enofI!1eS, seu~ vmte bri- . lhantes valiosos ·e seus vmte ::Ub1S. P~do 0 primeiro momento de alegria, a princesa, interrogou-o : . _ Tu estás ciente que eu prometi um beijo de meus lábios e mil moédas de meu tesouro? . ~ Sim, princesa. . inh - Tu estás ciente que eu p~ometi m a mão e minha corôa ? _ Sim, princesa. t - Então, dize-me : por que desqenhas e tudo e só entregaste-me este medalhão quando prometi dizimar a todos os homens de meu - reino? _ Porque esta promessa era a unica que v Alteza não exigia, desta vez, o que JU mais estima tenho : o retrato de vossa mae, a quem amo desde menino com o amor de uma planta humilde ao sol demasiadamente alto 1 E eis a história da princesa Alicia, fo}'mosa e cruel, que viveu em oltros teD:1pos, nao co– nhecidos senão pelos livros eruditos e os con-: selhos que se dão junto ao fogo para espantar_ 0 -sôno aos rapazes e despertar o amor ás moças. • • • o "contista" emudeceu. Em seus lábios vagava um sutil sorriso. Tinha o olhar ex– tãtico e absorto na evocação legendária do alem . - o sol havia caído ao fundo do mar e o ar fresco da noite estremecia os pinheiros . Don Pablo deu- urnas moédas ao vagabundo. E ele voltando as costas para os seus ou– vintes, desapareceu na escuridão. do bosque. Longo tempo permaneceram .silenciosos, Don Pablo e Maria Luiza. Con~hita e ~to– nio reataram a sua palestra interrompida. De i'epente, Maria Luiza soltou um grito : - Minha bolsa ! Minha bolsa ! Todos acudiram . A bolsa de Maria Luiza havia desaparecido. Procuraram-na em todos os canots . A bolsa não apareceu . o mesmo .pensamento invadiu todos os cé– rebros; porem, só Antonio se atreveu a for– mulã-lo : - Foi o vagabundo ! Não resta a me<:. duvida !. . . • - Continha ela muito dinheiro, min!la lha? - perguntou o pái. (Continúa na pápna

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