Pará Ilustrado - 1943
f tarde é chuvosa. Traz consigo a tristeza pesarosa dêsse momento. Vejo tudo escuro, envolvido em nu– vens carregadas, como estou apreci– ando o céu nêste instante, p€sada– m;nte negro. Sinto uma apatia geral. Uma melancolia profundamente a– mar;g-a. Um vácuo em derredor de mim. P1·ocuro eE_utar as vozes ínti– mas que me falam ,e vejo os dramas humanos levados à o:ma por êste mundo em fóra. Pare{'e que estou Llo alto de um arranha-céu, e, d~ lá, fito a mesquinhês da terra. São vultos que passam carregando consig-o seus sonhos e desilusões. Todos murcham para o desconhecido, enconr~cados num riso de alegria ou tristeza: Sin– to-me, só. Amarguradamente ~riste, como a melan~olia da tarde. Uma tristeza agúda, dolorida. angustiosa– menite má. Vejo, nêste instante, vir surgindo por dentro da bruma espés– sa de minha memória, o rulh ene• briante de Ziná, sorrindo, abrindo os longos braços brancos ao meu encon– tro. Vejo-a, alquebrada, conduzindo nos olhos uma ansiedade visivel, sor– rindo tristemente, falando-me depois de muito me haver procurado. Vejo– a, vejo-a sentada à minha cam2., ves– ti-do decotado mostrando os seios de– senvolvidos belos, rijos como os de virg,em e relatar-me su~ ,ª~lição_. Fornos companheiros de gmas10. Ti– nhamos u'a amizade fraternal. verd~– cleiramente humana. Nunca aprove~– tei dos momentos fáceis para possm– la. Jamais a buscára para o p~·aze_r sórdido da carne. Via-lhe pura ª mi– nha frente, conver sando, recordand_o de nossos dias de estudantes. Respei– tava-a e aconselhava-a nas horas dificeis em que e1a se encontrava, pe– dindo-me paz. Sofria por Ziná. Sen– tia sua grande aflição, como sendo partidário de sua désdita. Mesmo n~o chavascal da vida, onde ela se mete– ra, ou melhor, onde lhe jogira a sor– te, compreendia sua situação, aj udan– do-a a suportar o mundo. Despreza- LI_________________ 1 fJ ~ TU\JlBORÓSE 1 CURíl íl8 O8RmílTO888 PwteCJe e co.nt1ew.a a &eeeza da rieee 1 1 Ve~d:~;n;av;•n;a t~~t; :ia;arte 1 ~·--·-----17 da pela familia, longe ,de quem lhe alentasse a lama esmagada pelo peso de se vêr só, Ziná ~e buscava, cho– rando ao pé de mim, sua desdita. Falava-me sem receio, como se fo8se beber em meus conselhos o alívio ne– cessário às suas amarguras. Vejo-a, ag:ora. Vejo-a sempre, banhada de prantos, agoniada, encostando os ca– b~los aloirados aos meus ombros, re– torcendo as mãos e me falando: - Somente vxê me poderá di– zer que devo fazer. Vida miseravel, meu amigo. Atirei-me à sargêta quasi menina por minha leviandade. Por minha leviandade ? Não. Pela rnes– quinhês dos homens. Pela miserabili– dade dos homens. Fui em busca de amôr e me iludi. Abandonei o confor– to que meus pais me davam, para dedicar-me (já sabia de quem fala– va - Leomàr Santos) a tal tipo e depois de reter-me, e depois de go– zar-me de toda maneira, jogou-me ao vendaval da vida. Terá sido culpa de meus pais ? Ou é o mundo que não vale nada? - Não, Ziná, somos nós os abjé– tos. - Eu compreendo a transfor– mação em minha vida. Meus pais me deixavam entregue ao destino. Solta– ram-me. E pensei ser o mundo so– mente bonança. Propalaram-se fa– tos em torno de minha pessôa devi– do meu modo cfe .viver. Tudo menti– ra, no começo. Mas acreditavam. So– mente um, não dava ouvido a tais historias, vxê. - Eu creio em ti, Ziná, e ainda poderás ser feliz! - Como feliz ? ! Se o que diziam de mim veio a se realizar quando (no– vamente o nome de Leonar, não lhe transpoz a boca) fui ultrajada, cren– do nas promessas daquele tipo sórdi– do. Jamais esperei chegar a tal pon– to. Surgiram-me outros da mesma igualha dêle, e agarrados ás minhas carnes me vieram trazendo onde me encontro. Qual deles olha para mim sem ser ('0m os olhos cheios de luxú• ria ? Oheio de gozo, dêsse gozo infer– nal que dizem encontrar em mim ? Qual dêles me diz urna palavra de carinho, sem par para ter-me aos bra– ços e esgotar suas forças por cima de meu corpo? Qual deles que apare– ce "ali", sinão para tVer a Ziná que sa!be amar por dinheiro em poucos minutos ? Eis o resúmo de mim. E, depois, quem quererá retirar-me do lodaçal onde me vejo, para dar um nome a uma Ziná, em torno do qual correm-lhe as mais atrozes verdades ? - Mas Ziná, escuta-me. E's bo– nita e poderás algum dia ... - Corno você me tem sido bom, desde o tempo de estudante. Sempre nos respeitamos. Há ocasiões em que ao estar com você, creio ser feliz. São passageiros ê&·es instantes. Fugazes, mesmo. Acredito na vida por momen– tos. Mas ao pôr os pés nos batentes da pensão, foge-me essa beleza do mundo e vejo-o repleto, completa– mente cheio de misérias. Olho para minhas companheiras e tento avaliar a sorte d-elas ! Tento compreendê-las, ~-----------------------------------~ Ct\St\ VVJ-IITE CUT8LARIA - DROGAS 08ílTARIA8 - P8RPUmARIA PlílA JndÍJ1/J)lnenlô4 e ~ fúllza dentidi Clri ~,,'Uf> ~ PRODUTOS O8ílTílRIOS "C8L88T8" Rua Santo Antonio n. 20 - Tele fone, 11 8 O - BELEM - PARA' -------------------------l!ll!llmlllll___________ PARA' ILUSTBADO 2-ô-194.3
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