Pará Ilustrado - 1943

Anoitecia. • as ruas principais da Capital Fede– ral começa\'ª o borborinho dos passean– tes noturnos. Gra emente , len!amen!e , de sobretudo no b aço. vesl-ido p~ lo Rauníer, barbea– do de fresco , en luvado , de cartola e onocu1o, com uma grande papoula ru- bra espalmada na botoeira e um charuto caro a fumegar-lhe entre os labios. tod0 d e rescendendo a •peau d' Espagoe,. o conselheiro , á hora combinada , descia a rua do Ouvid0r e entrava no restauran– te, expondo à sua figura fra.nzina mas aprumada á claridade ofuscante das tam– pa das elelricas . ~GílRCIQ Um creado solicito tomou-lhe o so– bret udo , a bengala e o chapéÔ e, con– du zindo-o a um gabinete, disse-lhe: -O sr. Tusso! já chegou. ' Efelivamenle, Tussol esperava o con– selheiro no gabinete em que ·deviam jan– ta r em .tê!e a têle, intimo para conver– .sarem ·em liberdade sobre assuníos de- . fesos á orelha do vulgo . • E, quando o creado abriu a poria e· o conse lheiro entrou, Tussol - , um ra– paz de vinte e c·nco anos. de fisionomia vi ril e esperta - abandonou o divan em que lia, deitado, üma revista eslrange ra e veiu ao encontro do amigo com um sorriso nos labios. -foi pontual. conselheiro. -Fomos pontuais.. Tussot. Depois do aperto de mão e de aigir– mas fra·ses baQais, Tussol fez o •menu •. que ênlregou . ao c-riad~. e a poria fe- chou-se. ( A sós, os dois· sentaram-se em frente á pequena mesa pejada de -cris-l.:J--i_3, onde de vi am jantar. ..,__ O conselhriro linha cincoenla e seis a nos, mas aparentava quarenta e cinco. O .cold-cream,, os cosmelicos, os ca– belos pintados, o s'eu aprunio conslan!~ e a correção do ves!uario disforçavam– lhe a velhíce e davam-lhe, a ce.rla dis– tancia, o aspecto de um homem bem conservado. Tusso! era, pelo contrario , um rapa– gão novo , de origem alsaciana, louro , espadaúdo e forte, cuja cabeça coberta de cabelns- anelados e êurlos, como os de uma dançarina, pousava bem sobre os seus O\Tlbros largos de atleta con– cienle da sua força. ~ temido. Nós labios de Tusso!. que viviam abertos num sorriso perene, e nos seus o lhos verdes, que se viam através um piRce-nei de míope , havia um .que, de 20-3-1943 r sarcaslico, que ele dissimulava bem com requintes de amabilidade esfudada , mas que denunciava um ' cvi veur, conhecedor do mundo e.. . dos parvos. O conselheiro, cu idadosamente, para não desmãnchar a , lo iletle, , descalçara as luvas e desdobrando o guardanapo prendeu-o na abertura do colete, espal– mando-o depois sobre as coxas: Part iram o pão; e quando o criado entrou · com a sopa e os vinhos e pou– sou os- pra los fumegantes em frente aos dois , Tussol fez-lhe com a cabeça um gesto para que se rel iresse , e começou a sorver a •iulie1ine • cheirosa c.:om vo– racidflde g lut ona . O conselheiro comia de vagar. stm– pre aprumado e muito chegado á meséi para não· dobrar o corpo nem aml'lrro~ lar: a camisa. Após a primeira libação o silencio rompeu-se. -Está então contente com a .écuy– êre? perguntou Tussol, reenchendo •de vinho o calice do amigo . -Conlentissimo. E' uma mulher ado– ra vel. exlraordinaria , de uma meiguice e de uma candc1ra inexcedi veis. r-eo.,du 1~:~~~m:~ 1 l!.@~IT[).mm~ j 111:lllllllll/lllllUIIIIUIIDlllmllllllllllDllllllll/Wlll/UIIJJfllBilllm-llllllBDIUIII Os o lhos de Tusso! pisca vam, os do consdheiro b rilha'vam de vaídade satis– feita. -Uma ligação por amor . . . por pa i– xão mutua ... . talvez? . . . -Diz bem . Tusso! , uma ligação por amor. Encontrei afinal a mulher que eu deseja va . · E muito alegre , ansioso por expandir a sua"· v'enlura , o conselheiro começou então a contar coi~ s intimas do . seu .menage, feliz e fez a narrativa curiosa dessa ligação romanesca. · .A •écuyêre, era nobre - uma ba– roneza auslriaca - casad11 com um de– vasso,' que, depois de d issipar-lhe a fortuna em Monte Cario, atirara-a á vida ·do circo, explorando-lhe a habili– dade e a formosura , gastando ignqbil– mente · com outras o que ela, no começo, ganhava penosamente a furar arcos de papel, a dar saltos mortais sobre cava– los em pêlo e a ades lráf cães e cabri– tos em exercidos funambulescos. e Vira-a pela primeira vez em Lyon, num .pequeno circo da barrêira, quando da . começ11va a torn11r-se notado pela sua beleza peregrina , trabalhando em PARA' ILUSTRADO uma companhia de terceira ordem. Devia ler, nesse tempo, vinte -~ · dois anos e era já uma mulher de formas esculturais, mu ito ãpelec ida pelos artistas á vidos de moddos .d 'ensemble,. · •Tempos depois , tornou a ve-la . em P aris , no •Cirque d 'Hiver, , . fascinando a multidão e alraindo a cobi;:a libid ino– sa dos •gornmeux, e · dos argenlariós ; que desfaziani-se em homenagens, pondo– lhe á poria equ ipagens de luxo e es– mé1 l!a1ido-lhe o colo ·com .riviêres> len– lad.o ras de diamantes caríssimos. · .Nessa ·ocasião , o marido batera-se em duelo com um oficial do exercito francez que , uma noite. excedera-se no e'ntusiasmo pel a cécuyêre,, beijando-a ' escandalosamente· em pleno circo, no momento em que lhe oferecia uma •Cor– beille, lindíssima de violetas de Parma. .Q oficial pa gou com a vida esse beijo audaz, mas o caso fez ruido e a •écuyêrr . leve de fugir de Paris acom– panhando o marido, que ~ opinião publica acusava de ler assassinado o adversaria . • Perdeu-11 então de vista ; m11s os jornais da America do Norte lrouxeram– lhe, mezes depois , noticias dela P. dos se!ls conslante~ triunfos. Por Ioda parle, essa mulher Íõscinava. .Ullimamenle, · encontrara-a em Val– paraizo e dali viera com el11 e com o marido , no mes,no vapor, 11lé 110 Rio de Janeiro . · .A s1<1.a « flirl ation, com a cécuyêre• •· começara a bordo , nessa longa viagem do Chile ao Rio; mas só aqui, na Ca– pital f ~dera!. ele conseguira 11 primeira enlrevisla. vencendo mil dificuldades, po rque o marido era um m0uro no ciu– me. E déssa entrevista resultou que ela, muito amorosa dele e já fatigada_ da vida excitante do circo e das brúlalida– des do marido, resolveu 11bandonar ludo, en!regtindo-se-lhe inteira e exclusi vamente, mão grado lodos os riscos a que se expunha. •Todavia, esse rompimento cus!arà– lhe, a- ele . vinte contos de réis, que dera ao marido para acomôda-lo e até certo ponto indeniza-lo dos lucros cessantes. .De resto. uma mulher del iciosa e honesta que, áparle- o abandono âo ma– rido, imposlo e justificado pelas cir– cunstancias, podia servir de modelo á mais exempl"ar d11s esposas.• O conselheiro rematou, dizendo con-. - fidencialmenle : · -J- 1

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0