Pará Ilustrado - 1943
::- tContinuaçáo da página J ·1 só tinha (êStado na cadeia, uma vez. e por pou– cos dias graças as suas poderosas influencra,s políticas, -- Euzeblo González, o .mordómo, que era o - encarregado de tratar a gente- para o serviço; não poÚde encontrar pretexto para deixar de o aceitar. Teve medo dele, porque uma vez, - jã o tinha sentenciado e contratou-o com a intenção de ·o despedir, assim tivesse ocasião. Durante sua permanencia na fazenda, â– penas dirigia a palavi-a a .~eus ·companhelrós de trabalho . ✓ - Fuentes. passe-me a azeiteira, .. Ele a ··aga:·:·ava com os dedos gord~rosos e a passava, sem dizer nada. - Fuentes, ajude .. ··- Fazia-o sem murmurar, voltando depois a sumir-se em sua incon"ciente sonolência. Embriagava-se com frequencia e ia cala– do dormir, na cozinhã. ·uma noite em que como tantas outras voJtava bebêdo a fazenda tropeçou numa cou– sa, sentiu um ruido ... Riscou um fósforo e poude ver que plsá– ra o mais "gaucho" dos "gauchitos". · .. O assassino. o "homem sem fé!", teve um impulso caritativo. Acariciou ao hórfano com– mimo, atou com seu lenço ' a pata lastimada, e sorriu ao dizer-lhe : -Lastimei-te. Tambem. . . quem te mandou estar no éaminho ... sabendo que an– da por fóra um homem bebédo. Envergonhou-se por um momento, pen– sou o que diriam- os outros peães da fazenda se o tivessem surpreendido aí, porém, chorou na somJ:>ra lembrando:'.:se que a ele, tambem, algumas vezes lh'o havia acariciado assim sua mãe. Oesde esse dia-ante a extranhesa de to– dos- foi um dos que mais mimaram os "gau– chitos". ·seu carinho era tão. exclusivo, tão terno, tão pu!'O, que desafiava todas as_mur– murações. • Vigiava seus mov~mentos, cobria-os quan– do se Iam deitar, rivallsava com Dom Facundo ·-e o domador em fazer-lhes festas e rodear– lhes de mimos. González, · o Ínordómo, viu com mã cara essa mudança em um peão tão cumpridor de • seus deveres e considerou aquela uma excelen– t ocasião p'ra despedi-lo. Mandou-o chamar e parapeitado atraz da escrivaninha arrumqu-lhe o s~gulnte discur– so: - - Veja Fuentes, eu necessito de peães que -trabalhem . .. não que se divirtam brin• cando com animais ... "O Pardo" ia replicar com mãos modos, quandô o mordómo atalhou· com esta outra: - Sim, já sei o - que_ ia _dizer. Que o do– mador ... · que o capataz .. . Esses não são .peães da fazenda ... Fuentes não contestou. Tomou o dinheiro que lhe cabia, saudou o mordómo e foi fazer uma caricia .aos "gau– chitos". De salda foi ao botequim do turco Elias, jogou no "monte" o dinheiro que' tinha ganho na fazenda "San Lorenzo". A sorte não lhe acompanhou dessa vez . Então... ao homem que de, ganhar tinha de seguro esquecido todo, voltou o ódio ao mordómo da "San Lorenzo". Quando se nu próximo a ele e lhe pare– ceu que toda a gente da fazenda dormia, di– rigiu-se a essa . Avançou no escuro. Ia disposto a matar. Arrastando-se de cócoras, atravessou o páteo nas sombras, -depois de saltar sobre as varas da tranqueira. Levava a faca na mão. Pensava quasi com fruição no instante de crava-la no peito do mordómo. Em pontas de pés chegou até a cozinha. -lB- N 1 .L O A P A R E~C rv A P 1 N T -O Ah! .se- eu fôra. um pasfor nUllJ fein'o que imagino, E onde, um dia, florisse o meu sonho de amôr, Vi'Veria contigo, á mercê do destino, Na solitária paz ·de uma cabana em flôr. E, ao -in'Vés de gemer no caminho desnudo. Em que arrastÓ, inf~liz., minha sorte na terra, Rolaria aos teus pés meus 'Versos de 'Veludo, Como a fonte a cantar entre os musgos da serra. Nas fanfarras de ·{uz. da branc·a madrugada, Percorrendo os 'Vergé~s, pintalgados de O'Velha_s, Lá serias, ao ·sól, minha musa rosada, De papoilas na trança e sandálias -rermelhas . E, ao 'Ver-te, esqui'Va e meiga, á luz madrugqdora, · Vibrando a minha a'Vena, em sôpros encantados, Saudaria, de certo, a biblica pastora Que alegrou meu casébre e meus campos doirados. E, ébrio de ti, ao céu dos meus sitios estranhas, Ao sortilégio ideal da tua formusura, Sairia a apascentar os meus ni'Veos rebanhos Como o sol apascenta as estrelas na altura·. . ,, Enquanto que, ao rumor dos pássaros no monte, Irias, acordando as gardênias e as rosas, Beber na mão trigueira a ag;a a_mêna da fonte E colher pelq bosque as pitangas cheirosas . .. Ah! Não digas, a ri.r, que o meu sonho é peqúeno ! . Quantos reis, padecendo as rudez.as da guerra, _Me ha'Viam de in'Vejar o destino ser_eno, Como in'Vejam-te a sorte as rainhas da terra ! Camponêsa aromai de coloridas 'Vestes, Ingênua musa aldeã d"t: olhar -verde e prgfunHó; Ficarias melhor entre os..liJ:iõs ágresles·, - Que entre o fai~ ésptGidor das mentiras do mundo . E, acgriiihando a sua'Ve aspiração h!lm..ana, Dê; um dia, ser feliz, como ··t facil supôr, -·- Sentirias, na paz dessa humilde .cabana, Que 'Ventura, na 'Vida, é um milagre do amôr ! - . Daí ao dormitório de González eram pou- cos passos. .,. , . Mais. . . logo se sentiu reconhecido, feste– jado. _• Um dos gatinhos - sení dúvida o que mais queria - olhava-o com olhos carinhosos, prendendo-se ás suas calças. Tinha r!Jconhe– cido o seu antigo amigo e protetor. PARA' ILUSTRADO Desapareceu 1tão seu ódio para dar ex-. pansão a um sentimento de ternura. _ Esqueceu-se do -motivo que o levava a fazenda "San Lorenzo". Tomou· nas mãos. o "guachito", botou-o debaixo do poncho -e saiu, acariciando no ni- nho q-uente o seu tesouro... . .• ·
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