Pará Ilustrado - 1943
F. FERR,EIR,A DE MELO O rapaz er-a simplesmente o Alvaro Panin, o sobrinho de D. Carlota Maria. Chegára do sul. Ppr lá estivéra dura,nte dez anos . Apre– sentava-i:e, agora, á tia. Trazia consigo vinte anos de idade e uma estupenda robustês de corpo e de espírito. Toda a ·sua :figura desen– volta de atléta irraKiiava vivacidade e prestêsa de ,movimentos. Um bocado' bonit o, Illas es– t roina, inclinado á rebeldia, menos por Ln~ole do que pela influencia do meio, em que se. edu– cára . Os costumes do sul f!zéram-no a,siim. A _sua .chegada puzéra toda a casa em tur– bulencia, assim, como verdadeira revolução no .ambiente quasi eclesiástico dos habitos quié– _,tos de D. Carlota Maria . +++ A pobre seruhora escalava já a muralha dos sessenta. Remanescia, porém, com muita saúde, com m_uito vigor. Disposição bastante .Para· pensar ainda na figura ·varonil ·do seu bom administrador, o sr. Juca Anastacio, cuja mo– cidade lhe ia fqgindo ra.pidamente com o bran– quear dos cabelos •e uma certa invasão de ru– gas p~la face cheia -e alegre. , ~···················· .! '".lllllll/lUllllllllllllllllllUUUIIDlllmlllllllllllllllllllllllllllllllllllÍllllllllllllllllllllllllllllilllll!!!! i Em ,ÔUARAMIRANGA. 1 ·I com um clima saudavel, 850 ~ ~ = ia§ metros de altitude, a pensão = i -Santo ·Antonio, de D. Lili No- ! f goeirlí, constitue um ambiente 1 I ' proprio ás pessoas qtte quei- 1 1 ram repousar. ~ ~ Tratamento familiar, oti- i E::::::::,~~:;,,.,.~nnm:::,:::J •• ·.■ .• •. ■ .................. . Ela a'tnda pela flácida, reagia contra a idéia de entregar os pontos por .efeitos da ve– lhice. 1!:le blasonava brav,atas de jovem, es– quecido de que os cincoenta e cinoo anos que Íhe pesavam ás costas valiaII_J. pelo começo de um ·desmoronamento. Sentiam-se . Olhavam– .se. iRespeitava~-se. Não iam ,além de uma· pla– tonice tácita. +-++ Conquanto sevéra e mesm'<l rígida nos seUJi modos e gestos autoritários, D. Carlota Maria gostou e ficou naturalment e gostandq do so– brinho e das suas estúrdias. Gostou, mas sem– pre lhe ficou uma ponti1;1ha de restrição, de reserva desconfiada, quanto. áquêle .seu ar de :rebeldia e de estouvamento . . Podia o Diabo es– ~ar ali a empurra-lo para a rui/,, para a vida boémia, para a vida dispersiva das farr-as e das bebê!l.eiras liberrimas, mas .era seu sobri.: 'Ilho, da,va-lhe alegnia, a ela, que não tivéra fi– lhos, e isto bastava para atenuar toda aquéla doicla situação do garôto resoluto. +++ O senso prático e a argucia do leitor já o devem ter levado á. conclusão de que D . Carlo– ·ta Maria, se não era. uma fazendeira, Unha qua.lquer analogia com o tipo . A sua· proprie– tiade rural podia. muito bem i.!l equiparar a uma fàzenda. A sua renda. se constituía .do trabalho e da.s atividades dos seus moradores: - - Criação; agricultura, caça. e pesca. Casa -4...:.... grande classificaria com justêsa aquela casa de moradia, toda feita de madeira e regularmen– te danirficada da ação persistente. do tempo. iCasa acolhedôra, tudo nela regulava-se auto– maticamente por um m'll·ndo de tradições. Um resíduo de escravatura dos fámulos de ambos os sexos. E que eram esses fámulos? Crias da -casa. Verdadeiros "xirlmbabos", um quê de ,parentes, um quê de sérvos. Trinta anos <!e cómoda e a,bonada viuvês 1dentificaram-na com aquêle viver serenei de rurícola feliz . As cunhans iam crescendo, iam casando e novas crias, novos "xirlmbabos" se iam sucedendo com o rodar inalterado <lo tem– ·po . A · cosiruha de D . Garlota Maria fervia e fervilhava mais Iivremente ' do que uma ·feira. ·11vre. A fartur•a do sitio e dos lagos garantia o abastecimento impresclndlvel áquela quasl po– pulação, que ali se nutria de tão ilimitada liberalidade doméstica . A operosidade dos fá– mulas corria ide par com o 'borborlnho que se derramava, geralmente alegre, por todos os re– cantos da casa. Têrços e lafüulnhas tinham, por isso mesmo, uma especial ressonancia, provo– cando sempre crescio.a concorrencia, a que mesmo não faltavam vislnhÔS afastados. +++ De ·entre as cria.s mais estimadas de D . Carlota Maria esplendla, como tentaaor_ressal– to, a Mundlca Rosa, morena criatura, de car– nes rígidas, cujos desoito anos pareciam ru~ gir, como um brado perigoso, através das for– mas túmidas dos seios duros, insinuantes, pro– vocadores; ou o ôv·al delicioso do rôsto ingênuo, bonito, ,pelo regular aprumo do nariz; bem fei– to, <ia bôca bem talha.da, debruada de labios grossos, de carnudos lábios, que emolduravam utna linda;-'Uma perfeita dentadura bôa. Tam– bem pelo encanto dos cabelos negros, negros e macios. cabelos, que lhe· faziam a graça aro– mal da. éa.beça ipequenlna de mulher inteligen– de cabôcla tão mimosa, que, ,por assim mumosa, · te. Para que dizei- mais da COffilPleição física na lnsolencia das suas ,graças, se torná.ra o mimo de D. Carlota Maria? Mas Olavo Bllac tivéra sempre um grande gôstd emocional de !alar de Venus CalLpígia. A salienoia formosamente exagerada das ancas marcava a característica ida Venus CaUpígia, · de Bilac. Estava· neste caso a Mundica Rosa, de tronco, de b;raços torneada.mente roliços e de oernas 11igidarriente cheias, cinzeladas, gros– sas e herotioamente 'bem fel.tas. +++ A Mundica Rosa estava no -interior, isto é, no ".centro", em casa. de um/ tio. Isto. quer di– zei· que a chegada do ra,paz rumôrejára a casa com o barulhar rebelde da sua ·inocidade, mas só no que se condizia com a fluencia quasi quiéta da vida .trivial ·do lar . _; +++ D. Carlota Maria acl,tmára-se ao •.compor– tamento meio diabólico do sobrinho pelo pou– co que pesava na marcha costumeira da sua. Uin'a séria alteração rdo panorama caseiro vida doméstica . veio a ocorrer com o regresso- da Mundlca Ro– sa, algumas semanas depois . Naquêle seu t.odo gracioso de mulher ,formosa ,h avia · o Diabo ,pôsto, sibê Deus, quarita sugestão ·de amoroso· enleio, quanto dé ·eilljpolga.rite feitiço · no lan– guido moneia r das cadeiras fartas, no reque– •brar dolente e morôso do corpo quente, mo– delado para as caricias mais convenientes dos anseios de um livre coração apaixonado. Alvaro, encóÍÍtrando-se com a Mundica R;osa de principio,·.-ofh:ãres e sorrlsós pouco a po{ico, leves contactos de~mãÕs~ a furto -Úm beijo tímido, mas quente, mas guloso da gu– la ·que Amôr inspira, ;foi um mudar de cena, que fatalmente deveria acabar ·por-- um epílogo· PARA' ILUSTRADO domesticamente .iscandaloso. A coisa an-dava. Dir-.se-ia que uma liga de a,fét::is s2 estabe– lecia entre ª'queles dois corações felizes, em marcha clandestina, par a 31 vitoria certa dos recíprocos -desejos lrrecalcaveis, em que se es– caldava o sangue novo ·de duas ·tenras almas ainda em flôr. +++ A' visão arguta de carlota ·Maria não es– capava a maneira dissimulada de agir dos n amorados. O Alvaro denunciava-se por umas leves mànlfestaçôes nervosas. A Mundlca Rosa, por um certo ar -ele misteriosa dolencia, pelo amiu– dado do passinho fugitivo e, 'enfim, pela bre– jeirice do riso veia.do, meio velhaco, meio in– gênuo, d,isfarçado convidativo, perturba,dor, desnorteante. . . Tudo isto deu em tornar o Alvaro decidrldamente caseiro. 1!:le tinha lábias, sa,bia levar a ·situação para os lados favora– ve~ do seu Interesse. • •••••••••••••••••••• •--------• 1..utu:i4eo. 1úl,,eul,4M de, J'~ (Carpinteiro Naval e Civil) Conslroe e concerta barcos, lan- chas, boles, carrnsserie de camioneles, caminhão, onibus, char– rete, ele. Aceita serviços de cons!rução civil, assim como. de · encanador, vidrac~ira, funileiro, todo e qualquer trabalho de sua especialidade. • Trav. Apinagés, 178 BEL.EM -PARÁ ·• ... ~ .............. . A sua grande tática singular. foi, com su– cesso, a de se fingir um grande sonhador, au– tentico "sonhador" de sonhos extraordina.rlos. E era n a. salêta., a o ·1ado, que lhe reservá– ra D . Carlota ~ria, n a. sua grande e larga rêde de varandas arrerud-adas, toda branca e linda, que êle pa.ssava as -noites, calmas e sere– •nas, a sonhar as .ma.ra.vilhas da sua ima.gána– ção inventiva . . E, no. él,ia seguinte, a cada noi– te Ida, lá. vinham as narrativas _repetidas, ln– ;findaveis dos "sonhos", das fantasias interes– santes,' geit~amente coor.denooas· para engôdo . él.a.s tarefas de pros_.ft.-tã-0 neces~ãrías a alimen- .tação do&.-seus-,nâ nêjos de amôr. ~- A prosa era bôa. Todos gostavam, mesmo - porque o Alvaro tinha um pouco de "queda" dica Rosa, de tanto gostar de ouvl~lo, se des– para a sua feição de narrador seguro . A Mun- fa:ma em derriço. · que ampliou o cenário e a -digna ·senhora, to- . mada de surpresa e pasmo, d,~froutou-se com um quadro tão de grande assomibro, que por pouco não na fez morrer de terror e cólera. Que havia de encontrár a.li, no limite té– pLdo da.quelas quatro p arêdes, naquele peque– ~ ni·no recanto do seu circunspecto lar ? Nada màis, nààa.. .'menos do que um extranho enro- (Continúa na pirin{I 25 6-5-1043 I
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