Pará Ilustrado - 1943

(Do Rio• iespeclal para l"AR.-\' ILUSTRADO) VITOR AN!DYEJA.R (As pereonagens deste conto são de inteira ficção; a semelhança dJe nomes ou á ~tos porventura acontecidos, nâ!Q p~sa de méra coincidência) . -:~ :- Frente ao espêlho Robert Mans– lf.ield dava o último retoque uo laço da gravata, qwmdo o mordo– mo avisou-lhe que o chamavam ao tel~ne do salão. -Quem é? - É confidencia;! senhor e, . . é vóz de mulher.. . - Não disse o noine ? - "No, Sir"; disse simplesmen- te que o senhor a conhece bas– tante e, como de:;:eja fazer-lhe uma surprêsa, não me revelava o nome. Quem seria aquela mulher :\ qual. não tinha Robert dado o nú– mero do seu telefone seoréto ? Naturalmente uma 'bôa pilhéria dl! carnaval, pensou, e dirigiu-se sorrindo ao apa-relho-. - ... , - Miargaret ? ! ! --S!n;i, Bob; acabo de chegar. Não telegrBlfei pois queria saber se te agrada. o meu regresso a N'ew York e gosara emoção que em ti poderá ca.usar esta surprê- sa. Uns segundos de silêncio e no– vamente '3. vóz de Margaret Stcne ressôou no fone. - Então ? Não te agr!l,do ? Ha– verá, por acaso, outra mulher en– tre nós dow? - Agradll!blllsslma sur,prêsa, é que não- posso dominar ... -Ainda. bem; continúas a. ocu– par o mesmo !ogar n0- meu cora - ção . Meus olhos ohoI'1m já, an– tevendo a alegria, de revêr a luz do teu olhar môrno e apaixona– do... Espero-te hoje, no baile do "Trocadero" . Usarei fantasia de 0 :-.1omblna e má.€cara verde. - "Ok"; lá est.9.rel. - "So long, darling" ..• Ao desl!gar, ainda com a mão pousada. &fure o aparelho, Bob analisou a situação . , Margare~ tipo de m.ulher esportiva, loura. e.utorltlárta, .fôra. sua namorada antes de ir para a Alemanha, don– de regressava agora após três an0s ct;, a\lí>encia, naturalmente "iru– j,,regnada." de idélas germanóf!- ls.s.. . Não poderia. dizer qae a ama– va; contudo os encant-os e o poder de atração de mulher bOnita. eram, nela, tão eloquentes que à. Bob, joven_ar:iente e apaixonado afeito às aventuras amorosas• .?ra tarefa por de!IllÚS d!~:nl. !mpossl– vel mesmo, recusar uma entre– vL,ta,, e::peclalmente numa te..-ça– lfelra de carnaval. Nlio a amava, é certo; porém temia->!!- devido àquele gênio in– temperativo que êle bem sabia ce- -38- pás de todas as inconvenlênctns ou escândalos, sendo essa, allás, a razão que o Induzira a aceii;ar o convite. Esperava, '.Robert, ex– plicar-lhe, dlplomatlcamente, no bal!e o seu profundo amôr por Joan, sua noi-va, filha de um grande armamentL5-ta, de cujas fá– bricas era êle o gerente. Descom– promissando-se com est.i. qulz te– lefonar-lhe, pretestando um re..;– tfrlado, porém retrocedeu, lnt.er – rompendo a discagem. Mela hora antes havia estado em casa de ,ma noLva combina.nem- com ela que a levaria ao "Trocadei-o". Joan, In– teligente como- era, não, admitiria facilmente essa .diesculpa, além– do-que a vóz o denunciaria. Oa ponteiros em cruz do enor– me relógio smço a..<slnalavam 21.15. DepCils de meditar alguns minutos, chamou o criadó e or– denou-lhe: - Daqui a mela hora telefône a Joan d!zEmdo-lhe -que adoeci re– pentinamente e que o médt-:o proibio-me receber visitas; por– isso não poderei acompanhá-la. à lf'esta. A-q:,stumado àquelas mentlras sociais, até certo ponto justas e necessárias, Pat, o criado, sorriu e oomo fiel servidor que era, a– treveu-~ a perguntar : --O patrão não acha bom pre venlr t,3mbem Mr. Lewis, desr.a "doença"? --Sim; disso porem encarrego– me eu. Preveni-lo-ei agora_mes– mo pelo telefone da alcôva. Em ~.egu.lda f,oi a llooreira, to– mou um "drlnk" e com um leve remórso em trair a noiva na úl– tlca nolte de carnll!Val, voltou ao quarto as,oviando uma canção élm vóga. o doutor Lewis, seu médico e confidente, tinha que dlcar a-o par da situação pois o mesmo era bem relacionado com a familia de sua. noiva, à qual visitava frequente– mente, n~ lntuito talvês de rea– vlvar uma 1l.~eiçoo, que fôra subs– titulda, com dldalga renúncia, pelo amôr de Robert. Por isoo, fo! com Imensa sat!sfaçã,o que ouviu o seu antlgo rival dlz,er, enéerrando o diálogo; "Goodl11- cks", Bo'b... .Ainda sob a impressão daque– las últimas palavras, R,ctbert, re– ,pondo fone no gancho, monolo– gou: "Serei feliz, casando-me com Joan? ... " Estará com ela ou com Margaret a felicidade que al– jou ?- . . . Enfim, deu de om– bros, reconhecendo que o carna– val é uma época bem ruim para meditações t.ôlas . - sem querer, o seu pensamen– voltou para junto de sua noiva. - E si o pai de Joan ·1evá-la à !lesta?, interrogou-se. Tocou a m mpalnha e pediu ao. mordomo outro "dr!nk" que sorveu de um só trago. Sentou-se no leito ma– cio procrurando uma idéia feliz. que o puzesse a .salvo de uma tal eventualidade. Pensando tambem na. loura Margaret, Instintivamen– te, seus olhos polli!Sram no lindo relóglo ençravado numa estatué– ta de pierrô que dela havia rece– bido, oomo lembrança, antes de su,g, partida para a Europa. "l's well" !, exclamou. Iria fantaBlado de pierrô, mela máscara e tudo o mais. Desfez. o laÇo da gravata e <iesabotôcu ,e, colarinho reco:-– da:ndo a prlmeira vez que a vira. Chamára-1he a atenção a Impres– são trlst-0nha de 'Margaret, fitando a cinza azulada de um cigarro, lni:l:iiferente à louca alegria que explodia, naquela noite, no ca– slno. Acercára-se <iela e dlsséra : "Venha dansar; quero tirar a tris– teza que tem no coração, embóra reconheça lindo êste semblante tristonho" ... Um sorriso e depois aquele ldíllo que durãra até a véspera da partida para Berlim . .. Berllm. Ia dirigir-se novamente pelo aparelho seoréto encomendando a. t\9.ntasia, quando, repentinamente, um pressentimento atróz Invadiu– lhe o espírito. Reoostou a cabeça ...no travesseiro e meditou: "A 5.~ coluno derrotou a França. . . --'– Será Margaret um elemento dessa tão fala.da s.n coluna ?. . . Mar– ga ret vem de Berlim. . . - Pre– tenderá ela de mim alg,uma info~– mação sàbre a produção de g,ue,– ra? . . . - Não: não era possiv~l. justl/floou-se. Margaret era nova– iorquina e, além d.Isso, voltára à pátria atendendo a recomendação do governo ... O "Trocadero" esplendla na ma– gn1flcência de suas luzes. As ser– pentinas trança.das teciam enor– mes têias multloôres, de mês.a p<i.– ra mêsa.. No salão, centenas de pares entrelaçavam-se nos vol– teios da dansa- e a harmonla da orquestra, de vez em qua.ndo, era quebrada pelo -estrépito mais for– te do "piston·• gajato. Robert, e!D melo o salão, lar– gou o !braço de Margaret, ao vêr o Dr. ~is recolhentlo o abri– go de péles de Joan e entregan– do-o na portaria,. Lem'brou-se es– tar 1lantaslado e oom máscara; recelando oondenar-se, continuou a dansar porém sem desviar o alhar de sê!bre o casal, que aca– ba,va de entrar. Novos pressenti– mentos atacaram sua. .mente a– tribulada. Não tinha ,bebido mul– to para acreditar-se. ébrio. - Te– ria o dr. Lewls revelado a· Joan tona a verdade?, pensou. - Esta.– ria i;:eú amigo procurand·o inimi– zá-lo cem sua noiva ? Bem não se havia livrado dessas i,,uposlçôa3, quando, aproximando-se, Joan retirou-lhe o dis"Arce, dizendo : - DJ.spenso explicações. Devol– vo-lhe a palávra tão digna da. ,ma !ris!gn!!lcancia. PARA' LUSTRADO ~ ~ ~ ~ .,.. ""-""- Perplexo, RClbert viu brilhar nas faces do dr. Lewis um sorri.o . _ Irônico, que mal dlsfa,rç.ava Inti– ma satisfação. Dirigindo-se a êste proferiu: - o dóte_ê tentador I Aprovei– te-o bem, miserável ! o médico Jez um gesto, m as Bob foi m1l.ls rápido. Atingido em pleno coraç.ã;c, o dr. Le NI> caiu sem um gemido. O fantasma da cadeira elétrica aparaceu en– tão na visão alucina.da de ROibert, impelindo-o à. l!'uga. J'á na rua· poude ouvir· ainda três vezes, o apito :dos "G-men" em sua per.,e– gulção. . . Frrr. . . Frrr. . . Frr . . .. *•* o vento f!'IO da madrug, 3.da :rust!gava as ruas anunciando o próximo al-varecer do dia . As ca– mlonétes dos leiteiros passavam rápidas, parando aqui ~ além. De repente, atrôam os ares os silvos estridentes das sirenas dos carros pol!cl11is, que passam velocíssi– mos em direção do "Trocadero". Na semi-o·bscuridade de um 2r– ranh13.-oéu alnda adormecido, bri– lhava uma 1-uz atravé<s às vidr?.– cas de um apartamento no 3.• ; ndar. 1: a aloôva. de Robert. All 0 sUenclo era. qu,1sl pra1lund•.>: a.penas O "relóglo-plen'ô", presen– teado por Margaret. tlctaqueava sotúrno. 13anhavam-se já as "terras.ses" ô.os edlf!clos no esplendor do .zól na~cente. quand':l r. quietude da.– a~ela sala foi abalada pelo nervo– sismo de uma t elefonema ... Trrin . . . Trrln ... Trin ... Nêsse momento. as rordas da guitarra d'3. cstatuêta de p!errô vibrasvam sete vêses, enquanto o mo~trador mm-cava sete horas ... !Ainda meio sonolento, Robert atendeu o chamado. - ... ! -•<!What"'l Era. 0 seu fiel amigo ·e oomlden– te dr. Lewis prevenindo-o de que Margaret havra sldo detida, pelo Servl.oo de Contra-espionagem e que, tentando reagir, \fôra alcan– çada com certelro tlro no c:cira- ção . .. Olhou em tõmo e oompreende!l a triste tragédia, daq•uela quarta– feira de cinzas. Com um sui,piro profundo, ll~Te do terrlvel pesa,– d-êlo oue o assaltám, !Robert v<'l– tou à- real!dade. __espreg:ulçando-re lenta.~en~ no ~leito. Finalmente, er~edo-se, acen.– deu um cigarro "Rosita" e reco– lhendo na cônche. da mão a cln~a ainda quente, e~agou-a, oomo numa préoe pelo eterno descan,;o da alma da loura Marg!lret, seu 1d01o de outróra. - "Poor Margaret" ! 23-1-1943

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