Pará Ilustrado - Fevereiro 1942 n.105

J • O manto negro da noite envolveu. completamente a cidade. O meu pequeno quarto, que há pou- •cas horas estava cheio de luz, fiçou, agora, cheio de trevas. Aperto o co– mutador da luz eletrica e, outra vez, fico ·vendo,.. como em um sonho, tudo o que me rodeia. Bem junto · á mim, fica a mezinha muito branca e com– pletamente cheia de vidros de todos os tamanhos, caixas, pacotes peque– nos.. . A' um lado do ·aposento em ~ue estou, deitado numa cama de sol– ..teiro, fica um guarda-roupa muito claro (aliás, tudo o que ·me rodeia é claro, muito claro, e me produz inte– riormente, uma grandte sensação de bem-estar) e, do lado oposto, outra ime§a um pouco maior, sobre a qual es– tã o coolcadas atabalhoadamente re– vistas e livros. Dá-me agora vontade de lêr. Lêr o ~ que ? Qualquer coisa que me distraia - -). que me faça esquecer. Esquecer o desastre que sofri. . • Horrivel ! ! ! CU:bro 0 0s olhos com as mãos, po~ "vejo" em..minha frente, como na téla de um cinema, todo o drama em que_ fui comparsa. E, afinal, quem mais sofreu, fui en. Que tinha eu ã. vêr com aquilo tudo . Nada, absolu– tamente. E, contudo, vi-me envolvido _como que num turbilhão, jogado de um lado para outro, empurrado, api- • soado, batido. . . Recobrei os sentidos aqui, no hospital. A "irmã" Marta, • ,í • muito risonha e muito meiga, vem me • , visitar de quando em quando. Sem– pre diz que eu estou melhor, muito melhor, quasi bom. O médico porem n ã o é tão otimista. Acha que passa– rei acamado pelo menos uns tres ou qua tro meses ainda. Volvo meus pen– samentos novamente para o desastre que me vitimou. Tudo foi tão rapido ! E, até o presente momento, de bem pouca coisa me recordo. Porem, o pouco que "vejo ", é simplesmente medonho! .. . .e quebrando a serenidade da tar- de sól, paradoxalmente, um estron– da de gritos e correrias . . . e, sem sa– ber como . .. Fechei outra vez os olhos. O e " via ", ca usava-me horror ! Alcancei um livro qualquer. Abri-o. procurei lêr. Porem, por mais que _.....,~_~-eiforçasse, não podia fixar, reter n a memoria coisa alguma. Tudo se m e embaralha va no cerebro. A porta foi -se abrindo aos poucos. Entrou a "irmã" Marta. • - O senhor lendo, n ã o ? - 36 , E fazendo com o dêdo, um sinal ele dôce reprovação. - Já não lhe proibi ? Ande ! Guar– de o livro e procure dormir. Fechou a ~uz, deixando outra vez o quarto cheio de escuro. - Irmã, quer abrir um pouco a ja– nela, por favor ? Gosto tanto de vér o céu! . . . Ela accedeu. Abriu a janela, dese– jou-me que passasse uma bôa noite e retirou-se. Fiquei olhando o céu pontilhado de estréias. Sempre senti um imenso prazer olhando o firmamento comple– tamente cheio de estréias. AquelaJ luzinhas que eu via brilhar, ficavam tão distantes ! E se eu pudesse dar um pulo até lá ? Como veria a Terra e seus estupidos habitantes ? Talvez que eu pudesse apreciar melhor, a tragicomedia infindavel que diaria– mente repete-se n este planeta, onde vive o presunçoso " homo-sapien s " . Pela janela aberta, pen etrou no meu quarto uma aragem fresca. Fe– chei os olhos e procurei dormir. Na– da ! . . . o sono não chegava. Morfeu, filho da Noite e do Sono, deus dos so– n h os, parecia não se aperceber de mim. ····· ·· ··· ·· ···· ··· ···· · ... . ········ ···· ···· ···· ··· ······· ·· ... .... .... . Ouvi, ainda que muito m al, indis– Untamente, ba terem doze pancadas n o PARA' ILUSTRADO . , • • . ... . -1···• • • • • . • . • ,. •• • • relogio. Meia-noite ! Hora mrstcrio- sa, em que termina um dia e come- ~ r • ça outro; hora em que os due~cl\!s . aproveitam para ~em, medonhos !,• darem seu pass- nas casas desu 'tas ,: de som e de luz. '\)...~ ► • Desde criança que se~ se°iiti medo de ficar sú na escuridão, no si– lencio pesado _que faz, depois das "1{,ze pancadas de meia- noite. Minha m ã e então, sentava-se junto á mim, acon– chegava minha cabeça ao seu colo, e distraia.,-me contando historias de fa- • das lindas e bondosas que venciam, com o poder da ~a " varinha de con– dão", cheia de influencias beneficas, ás bruxas e ás harpias que procu r;i. vam destruir tudo que• era belo e bom. E eu, ouvindo minha mã e falar dessas fadas que nos protegiam das for·ças maleficas, adÔrmecia f eliz. Porem, agora, não tenho minha mãe para fa– lar-me disso. E sinto-me só, abando– n ado na escuridã o tenebrosa da noite, povoada de duendes horripilantes. Olho o céu novamente. Mas O céu agora está escuro, como se um m anto n egro fosse posto por sobre as estré– ias que brilh avam há pouco. Uma r a– jada de vento penetrou no quart o, como um prenuncio de tempestade. Relampagos ziguezagueiam doidamen– te no espaço. E, de cada vez que 0 céu se ilumina para depois cair n as trevas n ovamen te, os trovões estron- 28 - 2 - 1942 • ' • • .. , ... ' '\. .- ' .. -/~ · · \; • • (j-· .. • • • • •J., • . . •

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0