Ephemeris, v.1, n.1, agosto de 1916. 115 p.
EPHEMERIS 77 procurava, com doçur:l, dissuadil-a. Por motivos superiores, não na podia trazer. Ella chorava, chorava longamente, com os lindos olhos verdes a boiarem sempre em dois lagos de lagrimas . .. E assim a partida se fôra arpeoximando. Ella fôra perdendo aos poucos a esperança de vir com11ügo. Eu soffria, João, soffria muito. Nessa angustia, procurava evital-a, fugia-a . As noites, passava-as no meu gabinete, jogado para cima de um sofá, um livro esquecido nas mãos, num somno leve, '3ohre;;alt ado, n ervoso. Uma tarde, annunciei-lhe que partiria no dia seguinte. Ella ficou silenciosa e recolhida como uma estatua ! Lembro-me bem : era uma t arde d 'outomno, ch eia da suave tristeza das folhas mortas. P elas longas alamêdas do par que o arvoredo cobria-se torlo de .um vago tom de opala e de oiro. As cigarras cantavam, na dolen cia nost algica elo cr epusculo. A' clôr profunda, resignada, silenciosa de F ernanda, casava-se a velhice outomnal da natur eza ... Na manh ã seguinte, á hora da partida, en– trei no seu quarto, a dizer-lhe adeus. Ia pallidó, emocionado, e o coração galopava-me desesper adamente. De subitô, · estaquei, va– rado. Do alto,·enforcado num cordel quasi imper ceptivel, pendia o longo corpo de F ernanda, todo embrulhado na immaculada brancu– ra da sua camisa. Ih côr violeta do rosto convulso, destacava-se, numa nuança mais escm·a, a língua enorme, pendida. Os olhos eram como duas flôres n egras, raiadas por uns filetes tenues de sangue rubro. Com o vento, o corpo balançava-se num rythmo ,tragico. A bocca t orcia-se-lhe nnm rictus abominavel. Só os -cabellos, os seu!t magníficos cabellos, gnar davam o brilho antigo. Soltos, tremulos, desciam em sul cos profundos pelo linho branco da camisa, como um. largo rio de oiro ... P elo quadrante florido das gelosias via-se, ao longe, uma nêsga ensoleada da campanha r omana, tranquilla, num r ecolhimento buco– lico, toda povoada de campanarios e tectos d 'ardosia clara ... .Anda– va, em roda, a paz serena dos campos, a ·alegria eterna da vida .. . Como louco, proMrei debalde, num alvorôto, por cima dos mo– '1'eis, dos tapetes, uma carta, um bilhete .. . Morrera sem um adeus, sem uma lettra, ao menos, de despedida. . . _ No silencio nocturno da rua, a voz sumida de L eopoldo er.a como um choro abafado e sinistro. Num gesto esquivo, João enchu– gou uma lagrima, e 1m~rmu rou, o cigar ro mollemente nos labios: - Mulheres! ... Mulheres! . .. Podesse eu compr ehendel-as !.. .,. Villa Petiote-Pctroroli, . - Dezembro 191,3 . ~rthur dos Guimaraens Bastos
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