Ephemeris, v.1, n.1, agosto de 1916. 115 p.

6 EPHEMERIS. a conspiração, Lucano, para livrar-se de uma morte terrivel e ignomi, niosa, rasgou uma veia do pé, dentro do banho e morreu recit:mdo os. versos mais bellos do seu priinoroso poema. Este moço de genio, que se suicida e morre serenamente reci, tando versos, depois de haver d,eliciado o mundo com a .ma poesia sublime, é um typo seductor e attrahente, que póde servir de glosa a_ certas theses de caracter puramente philosophico e geral: Lucano era discípulo dos estoicos e tinha, principalmente em seu tio Seneca, um exemplo inimitavel de sabedoria e virtude. Seu espírito, educado na moral mais pura e elevada, nunca soube curvar– se diante das miseraveis exigehcias da adulação e do medo. Foi rival de Néro, o que prova a sua fortaleza de aninio e a nobreza dos seus. sentimentos. Não vendeu seu genio, não enlameou sua lyra deante da omnipotencia n&eana. . Sabia que se prejudicava, que cortava seu futuro inteiro; Ilias escreveu obras primas, que lhe abriram as portas. do desterro, quando podia não competir com o imperador, calar-se, para não o offuscar com seu genio. Lucano, que amava mais a gloria que a vida, não se calou. A «Niobe», a obra prima com que venceu no ultimo pleito o rival corôado, foi a causa suprema "da sua desgraça, O desterro, é verdade, facultou-lhe o ensejo de concluir a obra immen– sa, que immortalizou seu nome, pond.o-o logo abaixo de Lucrecio e da Virgílio, os dois poetas cujas obras são mais parecidas com a sua. Lucano, na sua integridade moral de estoico, affrontou com se~ renidade habitual a morte. Morreu suavemente, num dulcíssimo es~ vaecimento. Entrou -na morte dormindo. Não lhe perturbaram, na hora. extrema, as saudades de uma existencia brilhante, que deixava em :plena florescencia de seu genio e em plena florescei:tcia de sua gloria. Morreu tranquillo como só os an'tigos sabiam morrei·. Seus ·biographos se não esquecem de lembrar que elle, nesse– moinento atti'ibulado, devido mais a seu genio ruvinhoso e satyrico. qüe a seu genio poetico, denunciou sua mãe, atirando-lhe a responsa– bilidade do seu procedimento. Verdade ou mentira, semilhante accu– sação o não eximiu do odio imperial e o poeta, que não soube viver, soube morrer estoica e dignamente. Amigo de Perseo, discipu.lo de– Cornnto; Lucano, apesar da sua jactancia hespanhola de que fala C. l\fartha, attingiu ao sublime da poesia épica e immortalizou seu nome com as glorias dos heróes patrios. Censuram-no por ter dirigido versos áduladores a Nero, aó lado dos grandes versos com que g!oriticava Catão. Mas esquecem-se que, nesse tempo, Lucano era amigo de Nero e que as idéas do tempo impunham essas blandicias para com o imperador e para com ·ôs grandes. Assim procederam Horacio para. com Mecenas e Virg-ilio · para ·Augusto. E Lucano, amigo de Nero~ podia, sem dezar, adular o imperial metromano. , Nesse tempo, o estoicismo exercia o domínio dos espíritos e a c1·itica dos costumes, ora pregando verbalmente a ·moral sublime da ésc:ola, ora ensinando-a em versos retumbantes. Era o tempo d'essas eÓinposições singulares chamadas tragedias não destinadas ao palco

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0