Ephemeris, v.1, n.1, agosto de 1916. 115 p.

• 46 EPHEMERIS'' -Fui um Othelo-Quasimodo deante d'aquellas lagri– mas, d'aqueUes olhos, d'aquelles lamentos. Perdoei. E, no– emtanto, sabia o que viria a acontecer depois. Li-o nos olhos <le Rosalia, quando a levantei. Esses olhos• • • si os– visses acaso ! Tinham uma expressão tão gran~e de des– gosto deante da minha fraqueza, de asco, de od10. Tenho-– os gravados a rubro na memoria. . D'ahi por deante fui o seu escravo, relapso e sub-– misso. Elia trahia-me a cada hora. E eu sabia de tudo, -yês– tn? Havia qualquer cousa de desmoronado dentro de ~•m; eu sentia a ruina, o escombro moral que eu era. Tmha– lhe pavor. A idéa de revêr um momento esse olhar dava– me tremores de epileptico. Nuncà protestei. Todo esse anno de desgraça viv~ duas vidas: a do ho– mem trahido que procura,reagir e a do cachetico moral q_ue– se deixa esbandalhar, os nervos relaxados, sem vibr~çao,. sem exaltacão. Ahi tens tú a minha tragedia ou a mmtia comedia. Resta-me dizer-te que acabei fugindo, tristemen– te, espavorido, sem forças para enfrentar Rosalia, preven– do a scena, llmolentado deante da minha fraqueza. Nunca mais a vi. Não a .verei mais, terminou Mathias Quaresma num abandono de desanimo, os olhos meio dormentes e vermelhos como ulceras. -Bem sei--continuou, interromp,;mdo a pergunta que– eu esboçava - queres saber a impressão que tudo ieto me deixou. Impressão nitida nenhuma. Guardas tú, 'iCaso, a lembrança completa de uma paysagem? Não; ninguem guarda. Fica-te na memoria a impressão do contorno duro ou esbatido de pontos que mais falaram á- tua emoção ou á tua doença do momento. Da paysagem guardarás a im– pressão cinzenta ou fulgurai da luz em que ella viveu um instante na tua visão. · De toda. essa tragedia guardo uma sensação parecida~ um golpe de luz sinistra cobrindo um pedaço de paysagem da minha vida, concluiu, fazendo tinir no zinco da mesa a prata para o pagamento. ,ANDRADE QUEIROZ ...

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