Ephemeris, v.1, n.1, agosto de 1916. 115 p.
JI confissão de jl2af~ia;3 Quaresnla Mathias Quaresma raspou o phosphoro, accendeu o charuto e espetou-se nà cadeirinha de ferro, as pernas es– tendidas tristemente, o pollegar enterrado no bolso do col– lete, o olho moroso fixo na cripta clarissima das ondas do mar do Leme, aberto á nossa frente. Estivemos assim um grande momento, elle e eu, a nos olharmos, sem assumpto,fumando melancolicamente,ao lado da mesinha do ba1·, :,;aturando-nos de quietude, a vêr passar á borda d'agua os grupos de raparigas todas de branco chapéo e vestido. A tarde já avançada, sem sol, morna, era transparen– te como un~a alma de santa. O ruido esbatido das ondas e dos carros rodando nos carri norria-nos na alma, adoçando-a como numa sensa- ção de symphonia perdida, ouvida ao relento, sob a curva ~ luci t, emente das estrellas, a adormecer sem dissabores, sem preoccupações, na paz dos Deuses e dos Homens. Os refres cos aquentavam nos copos. Mathias interrompeu essa rnansuetude para dizer em surdina, deixando fugir por entre os· bigodes uma bafora- da lenta: · -Ves tú? Podesse eu viver um mez assim, nesta iner– cia, o olhar perdido no vago do mar, a perna traçada, o cerebro ôco, talvez me curasse d'esta hypocondria pezada. Os naturistas prescrevem a fome para as rnolestias do es– tomago; eu prescrevo a abstenção absoluta de idéas para o aborrecimento. A inercia é a therapeutica do spleen. Toda gente sabe divertir-se com estrondo, poucos se aborrecem com espirito. Ficámos um pedaço ainda, os charutos pendentes dos cantos da bôcca, os cerebros vazios como carteiras em fim de mez. --Nós nos conhecemos nrnito bem-interrompeu Qua– resma, quebrando a cinza do charuto com a ponta da unha. Ha três dias que cheguei da fórma mais brusca e extra– vagante cl'este mundo e tu ainda não me fizeste uma per– gunta. Quaresma, o mais ardentemente pautado bon viveur que
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