Ephemeris, v.1, n.1, agosto de 1916. 115 p.

EPHEl\IERIS 9 pelos seus peccados. O mal entrou no mundo pelo peccado. A phi– lantropia, que se mostra e quer fazer gala de caridade, interrompe e contraria a obra de Deus, salvando dt1 morte aquelles indivíduos que, a bem da humanidade, deviam desapparecer para não perpetuarem a raça dos degenerados physicos e moraes. Não vivemos só na materia, porque não vivemos só para a ma– teria. Vivemos para a sociedade, para a familia, para os outros, para nós mesmos e essa vida altruísta cria uma cadeia immensa de deveres moraes de que nos não podemos eximir, coffio nos não podemos eximir da cadeia dos deveres physiologicos. Schilier pensava que o maior bem da vida é a propria vida. Mas a nossa vida é o resultado de condições biologicas, physiologicas, so– ciologicas, mora<'s e economicas, que não podemos desprezar sob pena de suicídio. Tudo isto é o que o estoicismo ensinava, preparando pela sublime austeridade da sua moral o homem para a vida e para o soffri– mento. Lucano, imbuído das maximas d'essa moral estoica, encarou a morte com o indifferentismo que nós chnstãos não podemos sequer comprehender, senão vendo-o no isolamento heroico de alguns marty– res religiosos e políticos. Os martyres religiosos morrem santamente pegados com a imagem redemptora, rezando orações milagrosas que lhes abrirã0 as portas do céo. }forrem heroicamente na firme crença de pas&ar d'esta vida terrena para a immortalidade, onde desfrnctarão a plenitude de todas as venturas ! O martyr político morre affirmando a sua fé na victoria da sua causa e orgulha-se cm dar o exemplo que lhe trará a gratidão dos posteros ! O poeta romano não poJia experimentar nenhuma d'essas dul– çurosas consolações vulgares. Não acreditava em Deus, não acredi– tava na immortalidade da alma, não tinha qualquer fé política que o alentasse e o amparasse. Rasg·ou a veia e morreu tranquillamente, estoicamente, recitando as estrophei;; divinas do seu poema pagão, a unica immortalidade que esperava para o seu nome atravéz das edades ! E, apesar de não crêr, morreu calmo como o mais acrisolado crente. A morte d'esse suicida genial tem o encanto raro dos suicídios heroicos. Entrava na morte pela musica do verso, como o ultimo re– fugio para a sua derradeira esperança de poeta, como o supremo adeus á vida onde transitou irradiante e célere como um meteóro luminoso. Quantos justos morrem com a serenidade d'esse joven pagão? Porque não crermos que a unica ventura Ja vida é a paz da conscien– cia, que poucos pódem ter, não porque os remorsos a espicaceem, mas porque a conturbam preoccupações falazes produzidas por sua propria imaginação'! Lucano não é um exemplo; mas é motivo para nos curarmos do nosso orgulho e apprcndermos que os antigos, pelo menos, sabiam morrer mais bellamente do que nós. Dante o collocou no sequito de Homero, o poeta sovrano, no circulo intermediario, onde os pagãos jus– tos esperavam, sem soffrimc11to, a redempção final. Um dia o encontraremos no paraíso. Amemol-o desde já. (A seguir). CLODOALDO FREITAS

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