Ephemeris, v.1, n.1, agosto de 1916. 115 p.

EPHEMERIS •dias, espiritos elegantes e futeis, fazer palestras elogiando cousas de– somenos valor litterario, moral ou therapeutico r O estoico não temia os tormentos da immortalidade nem os pos– siveis azares de um julgamento posthumo, por uma justiça, que não é humana e é infinita e pela qual querem regular a nossa vida, que não é divina e é finita. O homem não póde modelar-se pela moral de Deus, nem Deus póde exigir do homem sacrificios e vii tudcs superio– res á natureza humana. A moral de Deus não póde ser a nossa, por– que não podemos ter perfeição alguma, porque tudo, em nós, é um producto do nosso meio e da nossa natureza fragil e sujeita ao erro. O estoico não admittia Deus immiscuíndo se nas cousas munda– nas, agindo, como parte, na lucta da sociedade e na lucta da vida. individual. Não admittia tambem a prece, porque Deus sabe melhor do que nós, o que melhor nos convém. Pedir a revogação de um acto é uma revolta contra Deus, que é perfeito, justo e sabio. Não admittia tambem a alma immortal, porque a alma tem de abysmar-se, cedo ou tarde, na essencia divina. O mau morre logo ·depois da morte e d'clle tudo se perde no não ser, seu estado anterior ao nascimento. Esta moral é bella e inromparavel como elemento formador do. caracter individual. O homem é bom, é justo porque é seu dever ser· bom e justo, sem esperança <le recompensa a não ser a consciencia de haver cumprido o seu deYer nobremente, despretenciosamente. Quem é bom porque esJ_.Jera: ter, cêdo ou tarde, uma recompensa eterna inefa– vel, que centuplica em gosos os possiveis padecimentos d'esta ,-ida temporaria e mesquinha, é um agiota que especula com Deus. A vir– tude, que cumpre reverentemente a lei decretada por quem póde cas– tigar e premiar, é bella porque é virtude, mas é bella como a belleza de uma virgem morta ou como a belleza de uma exhalação atmosphe– rica, que brilha e passa com a rapidez de um relampago. O estoico é virtuoso sem idéa de recompensa. Faz o bem pelo. bem, porqu<> o bem é uma lei inherente á natureza humana, como lhe são inherentes as leis pliysiologicas e biologicas. Como é estupido e immoral contrariar as leis moraes, praticando o mal! O fim do homem, materialmente, é vivei:; o fim do homem, moralmente, é ser bom. O que contraria a moral prejudica um dos elementos csse11_ciaes da vida, porque os dois elementos, fundidos, formam a trama da vida. Era debaixo d'este ponto de vista, altamente r,hilosophico, que .Jesus. Christo diziá que o homem não vive sómente do pão. A civilização contcmporanea, toda artificial, chega ao requinte dos mai; absurdos preconceitos moraes, economicos, estheticos, politi~ cos e religiosos. Numa civilização artificialmente religiosa, profunda– mente immoral, materialmente mercantil, predominam os mais estranhos. melindres da fé, da moral e da caridade; como se ainda fossem possi– veis de maturação em um tempo e em um meio, que já não são os &cus. A philantropia invade a sciencia e lhe coarcta os movimentos, ]imitando-lhe o campo de acção e rle activ:dade, que não devia ter raias. A caridade, invertendo e contrariando a obra de Deus, procura attenuar o que Deus faz, minorando as penas inflingidas aos homens . 1

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