A Tribuna, v.3, n.58, janeiro de 1928. 40 p.

professora. A todo momento , le– vantava o dedo pedindo licença pâra falar, e crivava-a de per– guntas. (.)ueria explicação de tudo que via, das menores coisas !:J dos mais imporliantes phenonie– nos do universo. . Aos dc 0 soito annos, quando os' outros rnpazf's perdem as noites em cinenias e tl1eatros, Cruz Fcr- 1·eirn rnal t,.•rrninava b frugal jan– tar qne lhe serviam em casa, rrnr– tia pâra a residencin de prnfesso– res. Com o decorrer do tempo, rPconhecera que os ensinamentos ministrados na escola publica. já lhe não s;, tisfasiam. Quiz apren– der línguas, · em pouco, o fran– ccz e o inglez foram-lhe fami– lia l'CS. No « Pnrc-Hoyal ", a sua cons– tancia ao trnbalho e a sua acti– virtnde púo ·passaram desaperce– bidos ao chefe do importante es– t.ibelPcirncnto commcrcial do Lar– go de S. Francisco de Paula. De simples caixeiro, passou a chefe de secção, e t.le chefe de secção, como premio aos seos reaes ser– viços, Cruz Ferreira foi aprovei- . tado no escri ptorio da sociedade. Aos vinte e dois :mnos. era o principal empregado do (cPare– Hoyal ", aquelle que merecia toda a confiança da firma . Uma noile, sahia elle do « Parc– Roya!'.n, que acabava de fechar as portas. Eram sete e meia, e na rua, havia esse movimento ex– traordinario de gente,• que mais parece um immenso lormigueiro. Ao entrar na rua do Ouvidor, Cruz Ferreira deparou com uma mulher, que cam inhava lentamen– te, <·0111 o ryll11110 suave, -o mys– terioso-rYthmo do andar das mu– lherC's 1mii formosas: (:~ruzaram– sc. Ellc voltdu a•L:abeça pi\ra se– guil-a ainda com .os olhos, sedu– sido de tanta· graça. Elia tambe.m, virára a li nd:1 cahçça, irnpressiq– nad:t pela rnascula physionomia de Ferreirn, t' nPss-c instante os ·seos olhares, se encontraram. Cruz ·Ferrei r·a não era bello. As suas .feições frregulare~, o cabello negro , dum, as sobrancelhas for. tes, a barba cerrada, não tinham essa harmonia encanta(fora que . tanto sed11z as mulheres. Alto, es– padaudo, mais parecia um ho– mem dado á pratica de despor– tos que ind i\'iduo que trabalha de sol a sol em casa de commer– cio. Porém, o que encantava nelle, era essa htz rte intelligencia, viva, palpitava, que lhe banhava sem– pre o rosto . Séntia-se atravéz da• quella mascarn severa, ·o espirita, fasrinador e captivante. Quando a formosa desconhe- Ü NO~SO DISTINCTO AMIGO E CO 'CEITUADO CAliSIDICO PARAEN· SE, DR, ANTONINO MELLO, RE· CE!<.TEMENTE NOMEADO CHEFE DE POLICIA 1 'TERINO DO ESTADO, CARGO ESSE A QUE FOI LEVADO PELA CONFIANÇA E ACERTO DE S. EXC. O DR, ÜIONYSIO BENTES, NOSSO · PRECLARO GOVERNADOR cida tornou o bonde dç « Ibituru– na n, elle sentou-se ao seu lado. Dez minutos, em pós, conversa– vam. A principio, foi apenas uma leve troca de palavras, futeis e sem importancia. Cruz Ferreira mentia-lhe cy • nicamente. Affinnava-lhe que to– das as noites a via, e seguia com os olhos, mas nunca tivera a ou– sadia de acomp:rnhal-a. -E' que trabalho pa « Casa Hauníer ", e setnpre saio a esta hora, quando fecham o estabe– lecimento, disse ella, com sim– plicidade. A campainha do bonde soára e o bonde parara. Uma senhora gorda, que estava na . extremida– de do banco, quiz saltar. Elles tiveram de encolher as pernas pâra que ella passasse. . Agora, o bonde entrára na Ave– nida do Mangue. Nesse interim, Cruz Ferreira pudéra contemplar longamente o bello rosto da desconhecida. Loira, . fot:mosissima loira de olhos azues, feita qual estatua antiga, pensativa e triste, ella pa- A TRIBUNA recia ser devorada por um soffri- mento negro e amargo. · As leis da physionomia s,fo exactas, infalliveis, não sómente na sua applicac::io ao cr,ractcr, mais ainda relaiivarnente :i fata– lidade da existe!]cia . Ha cert,ís physionornias qu e são prophe– ticas. Si m, a fatalidade impriu~e o seo estyma intielcvel, no rnsGo dos entes que deycrn ser dcsgr:i– çados toda '.l vida. Ora. csst) l"ati– rlico sello estava be111 estampado no rosto da desco:nhccida. - Como se charnn a senhora? In– dagou ·cruz Ferrcin1, quebrando o silE.ncio qqe 6e fizera entre clles, -Consuelo da Silveira. -Lindo nome, nrnrmurou elle, com sinceridade . Consuelo ! E' um nome · que nos fola ao cora– ç,'ío. , . -E o senhor <'Olllo se l'h:,rna? -Arthur Cruz Ferreira. --E' formado,? -Nüo, senhora. Sou apcúas empregado de ,commen:io_. E com subita ironia em a voz, q11asi irrifado daquella pergunta: - - Porque? Seduzem-lhe os dou– tores? -Não, respondeu' ella, com fir– meza. Absolutamente . Süo-me in– diflerentes os doutores. E depois não meço os homens pelos títulos que escolas de ensino &uperior lhes possam dar, mas, pela no– breza da alma e valor do espírito. Do outro latilo da rua, os auto– moveis, com as lanternas acce- . sas, passavam em· louca rlisjrnra– da. Um auto-omnibus, carregado . de gente, avançava con1 estre~ pito. · Ao chegar o bonde em meio da rua « Ibituruna n, Consuelo pediu que elle puxasse a campainha da parada. E quando o vehicu1o pa– rou, elle desceu 'pàra dar-lhe a mão. Caminhava1ii , ém silencio, algum tempo. Alflm, ella dele• ve-se. . . -E' aqui que eu mór0. Cruz Ferreira olhou avidamen– te pàra o interior do jardim. Em uma chacara immensa, com a casa velha ao c~ro, dessas chd– raras, que cada Vt,. mais, se tor– nam raras no Rio de janeiro . -E' aqu i que a senhora reside com seos pae~? -Meos p,tes ?... Falou ella com voz maguarta. Nu nca tive essa fe– licidade. Perdi-os muito cedo, quando se não tem ainda noção do immenso thesouro que elles são . CHERMONT DE R•{ITTO (Contínúa)

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