A Tribuna, v.3, n.58, janeiro de 1928. 40 p.
A TRIBUNA -Olha-me, sim, adorada, olha– me, meo doce amor, ainda um im,til.nte, um derradeiro olhar, mostra-me o ' derradeiro brylho dos teos lindos olhos. Querida, minha querida ... Não, não te par– tas assim, pâra o mundo das tre– vas e das tristezas sem um ultimo adeos ... Meo amor, pensa na dor infinita em que me deixas. Não! não posso, não quero crer que os teos formosos olhos se hajam fe– chado pâra sempre. Morta! Ah, querida, como poderei viver sem ti. Fala-me, fala-me, querida, mi– nha, dize-me ainda a c1erradeira palavra de te\·nura, que os teos labios tentaram balbuciar. e que a mão da mort.e, cruelmente, aba– fo1.r... Tu me fazes medo, . assim, tãq fria, tão frin, corno à ne·ve que envolve o cimo das altas :.¼eo amor, meo doce amor ... Çruz Ferreira leve úm gesto de longo desalento. Era tnutil q:rnl– quer esforço. _ Nào mais ella lhe (i)Uviria as exp1•essões carinhosas, çopfldencias de um grande amor. .M.om.entos antes, morrera-lhe ·nos braços bruscamente, a mu– lher que lhe era vida e felicida– de, ídolo e religião. Uma quéda de coração, e brutalmente, cessá– i:a de viver aquelta creatura a<io– i;avel, cheia de vida intensa, e de _i;isos alacres. Morrêra nos bra- -ços do apaixonado, mansamente, a.os poucos, como se desmaiasse, sem um estertor de soffrimento, sem uma · contracci'í.o de· dor in– contida e largo-tei'npó recalcada, Cólno urna véla pequenina e tre– mula, que se apagasse afflicta, até e)\:tinguir-se de todo. 'Tomou, com indefinivel respei– to; a mão da morta, que, inerte, pendia ao longo do corpo, e le– vou-a aos labios: -As tuas mãos, adorada, as tuas lindas mãos bellas, tão frias agora, e sempre tão_quentes de amor. Acabrunhado, a -alma em deses– pero, meditava no : golpe terrível e cruel com que o destino o feria. Silitario, agora, só, intcira1pente só, sem alguem que o amasse, sem a ternura que havia na com– panhia da que morrêra, pâra que vivor. A vida só é boa, quando se é feliz. E tóda a sua cxistencia pa!'ecia partida pâra sempre, va– sia do encanto immenso dessa crealura ·adoravel que a enchia então, de infinita fcli·cidade. Que triste?.a, sentiria longe delln, se parados pârn sempre pelo nrnr tenebroso da morte, sem o seo suavissimo sorriso, que lhe illu– minava docemente toda -a exis- tenéia. . -Morta! Murmurava o desgra– çado com pungente desalento. Consuelo, minha Consuelo ! Tão linda assim! Tão boa! Meo amor, .,,... ____________ .., ., «A TRIBUNA» f A SUA ACTUAL DIRECÇÃO Na ausencia temporaria do nosso querido director, Lu– ciano Bentes, que.foi á ca– pital do paiz a interesse de sua saude, ficou superinten– dendo a direcção deste ma– gazine o dr. Pernambuco Fi– lho, passando a sua redacção eadministracão a funccionar annexas ao «Correio do Pará», para onde deverá ser dirigida toda e qualquer cor– respondencia relativa ao mesmo, encontrando-se alli, á disposição dos interessa- i dos, os srs. Mario Sous, se– cretario; Octavio Meira e Ri– beiro de Castro, redactores. ' L .J e quando a Fortuna principiava a nos sorrir, é que te vás e me dei– xas. Adorada ... No leito alvo, em desalinho, pallida e fria, branca, muito branca. a confundir-se com a al– vura do linho dos lençoes, ella parecia apenas, dormir somno quedo e socegado . Não podia ser a morte, assim, tão simples e tran– quilla. 'l;'alvez, quem sabe, a au– sencia passageira da vida : uma rapida lethargia. Aftlicto, tortura- do, Cruz Ferreira, de juelhos ao lado d·e Consuelo, mm:murava pa– lavras de crusciante magua. E pelo seo cerebro, em fogo, ~m desespero, scenas ridentes e ak– gres, passavam lentnrnent@, qual visão phantastica e deliciosa. Co– mo o ·visio,nario, que vê a mira– gem, é se illude, e vive nella, e gosa da sua allucinação, elle dei– xava se ficar ali, indifferente a tl:Ldo, a viver os instant_es felizes que a emoção da sua saudade fi– zera voltar. * * Cruz Ferreira realisava na vida. esse typo do "self,made-wan ", que os americanos do norte tanto presam e admiram. Vindo do nada, pelo proprio esforço, ,sem amisade~ poderosas que . o im– pelissem pâra frente, só a golpes de ferrea tenacidade, conseguiu– se elevar-se a uma brylhante p0• sicào no alto commercio carioca. Aos douze ann-os, numa idade em que os meninos ricos sabem acompanhados por vigilantes area– dos, já elle era caixeiro do « Pare– .Royal"· Trabalhava l'le sol a f;ol, sem desanimo nem incuria. Era sempre o primeiro a chegar· no armazem, e o ultimo a abandonal– o. Tinha gosto pelo trabalho, e mesmo nos dias em . que maior erá o labor, nunca ninguem lhe vira nos labios um rictus de tris– teza .. A' noite, frequentava urna das -escolas publicás de S. Chris-to– vam, onde moràva com sua mãe, uma pobre mulher, envelhecida precocemente pêlas desillusões e pelo& soffrim~os. Embora fatigada, ex.aust?- do intensíssimo labutar diario-, a cre– ança ia contente pâra o co•nvivi0 dos livros. Amava-os carinhosa– mente, profundamente. Aquelles caracteres, que, a principio, lhe eram impenetraveis, e se expa- _ lhavam mysteriosamente pelas paginas branc:as dos livros,_ ti– nham pâra o seo infantil espit·ilo, avido e curioso de revelações no– vas, immenso encanto. Fâra elle os melhores rrfomentos eram es– ses passados a ouvir as licções da
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