A Semana: Revista Ilustrada - 1921, v4, n.150, fevereiro

Ia a meio o baile de terça -feira gorda, no Palace– Theatre, quando junto a nó~ serpenteou, nervoso e saltitante, um traço verme lho, de alegria e nnceio .. . Olhamos, os meus dois nmigos e eu, e vimos, já bem ao longe, tanto ziguezagueava, tanto bara fu sta– va, vimos o traço a scindir, a retalhar a multid ão fes· tiva, tal uma rosa, esca rl ate e reb rilhante á luz das lamp adas, qne ;i m vento levas ·e, aos rodopios, des– petalando-a num rasto de insa nia . . Era um dom inó-peque nin o e fornidinho dom inó fe minino. A seda rubra se lh e al çava e fremía, aos tufos, aos fólhos, ás bor 1 as, ás fit:,.s, aos laçarotes, e n visão da resa continuava, persistente, a nos enco n· tar, a nos aguçar a cu riosiilade ... Fm dos meus amigos, o Anatolio, de prompto se enthusiasmou: -;fá não na perco, hoje; voa-lhe no encalço; agra– da-me aquella vertigem de andar, aquelle nervosismo, aquella hyperesthesia de emoção, de desejo, ele volu- pia. ou o quer que ·seja... • E Já se fo i o nosso companheiro, e lá nos arreba– tou, á. sua pE:ugada, a mim e ao outro meu ami go, o Pafuncio. (Eu sempre tenho cada ami go de nou,e exquesito, extravagant{! !) O Anatolio é de em excésso deses perar-s 3 a si pro– prió, e de immenso di vertir aos outros , quando dá de seguir um rabo de saiá. Fica mesmo enrabichado, e tão gul oso dos sentidos, quanto de appetite guloso fi ca um chinez por um prato de arroz cosido . .. Não me levem a mal a absurdeza ou incongrnencia é1.o s imile; de si mesmo e ll e se justifica, por comprehen– s ive l; é que, naquella ama:gama de máscaras , caretas, cabeçorras e cabell eiras postiças, encastelladas umas, e derramadas outras, eu via, aqui e a lli, uma profu– são de pbysionomias de chinezes e japonezes, e, con– segu in temente, via tambem rabichos, muitos rabichos... Oreio que foi por isso mesmo que o Anatolio ficou enrabichado como nuncn., a modos que pa recia en– sandecido ... 1'ambem, elle foi sempre assim; e por via dessa congenita fraqueza psychica , é que . no amô r, a infe– licidade, o caiporismo o persegue de cont inuo . . Assim , no transe em questão. Desail'ou-se-lhe o senso por comp leto. á vista do desconhecido, my te· rioso dominó fem inino, a ponto que de tudo e de todos se a llieiava, e nada, nem o rir e o garg,i,lhar da às– s istencia numerosa, qne já o mirava escurn inha. nem o vozear e o g rita r dnquelle tumu lto de prazer es f11 - sianic nad a, uada, qual! nem me mo a -criti(\a e os . iepa rds d, s conhecidos, nada o c hamavn a si, nada lh e ocord:i.va a razão! . Ria·Sj o Pafuncio ás bandeira!! de• pregadas, por vê l-o naquelle assed io de doido ao dominó. o qual, na maranha dos pores que dançavam, voltea vn.n., re– moinhi, vam em ment> ios lascivos, Pm quebrados bPln q11ebradi11hos, deu de girogirar, uegocean lo a um e a ont ro atrevido que lhe fosse ao enconl,ro, e flecLin· do por'aqu i, pnr'a lli. para todas as direcções, assim como quP- a in vesligllr, a. procurar al g uC1rn Mo s o Anatolio não lhe deixnva n esteira. e iá lhe diri o- ia por vezes, a fal a, peclinrlo, supplicando a hon– ra d e ' um numero . . . A .phnntasin, porém, não no utt.e ndin, antes lhe refu g ia, a li gera, precipite, torcico· luncl o ra l>i o,a rnente, a im uma serpe, u. que se per· ::,i,g uissP, se insti gnsse. G .Í~ianor ~enalber E o P afun cio ri a·se, ri a-se ainda mais, ri a -se á~ pre– s ilhas so ltas, e ilizia·me, n. instantes, cutucando-me o braço: -Não achas. 6 Arnaldo, que o Anatolio está faze n– do um papel ridiculo, uma fi g ura de canécc ? . .. Eu para não dizer que s im, nem qu e nã.o, force i uma rirnta: - Eh 1• •• eh! ... Era o momento. justamente, em_ que o domin ó for– nidinho al,andonava o recinto das dança;:, e vinh a passar janto a nós, a comp rimir o seio, e a so luça r baixinho, sentid amente ! 'l'razia, ainda, após si, sem o saber, o terri vel Anatolio. O Pafuncio commoveu-se, deixou de rir : Que embrulh a1a será esta, Arnaldo·,·! Ue dentro da minha estnpefacçii.o, soltei um forte: -Sei lá ! E foi quando vimos a rapariguinha atirar-se a uma cadeira, a chorar, a chorar, que mettia dó ! Acercamo-nos dell a, uma vez que o Anatolio já lhe falava, todo mesuras, todo assucar e mel: - Filhinlia ! p0t-.~ue chora você assim, em plena noite de a legri a, de carnaval? -Deixe-me! deixe-me! Vá-se embora, seu euj0ado ! -Não seja má; interveiu o Pafuncio. Você deve ser linda: é o mais lindo dominó da noite. Vá dançar com o meu amigo. que é bom rapaz, e está enrabichado por você .. . Não é verdade, 6 Vulle? Para dizer alguma cousa, disse: - E'! - Qual é, nem meio é: Não quero saher de nada i Vão-se embora, seus enjoados! Não gosto de homem que me persiga, que se agarre a mim ::omo carrapato. En gosto é daq uelle diabinho ... daquelle diabão dos demonios, daqu t!lle ingrato, daquelle cousa ruim 1 Olhamos. assombrados, boquiabertos, e vimos que a pequena indicava um rapaz moreno, de cabell os ne– g ros, annelados, que, bohemio, um grande pandego, estava a maxixar com uma µi errelle deliciosa, um verdadeiro bijnusinho de carne. Homem sem coração I Abandonou-me lia tres a n– nos. só po rque já e t.on ficando ve lh a, já tenho vinte e dnas primaveras . Só gos•a de meninas de quinze a vinte a nnos, aq uelle cousa-ruim I Ha dois annos que eu me encontrava com e lle, pelo carnaval . .. e da n– t,:ava, agarrad inh a ao seu co ,·ação . sem ell e saber quem en era . O mául Só as im podia tel-o jnnto a mim só as im, pelo carnaval ! :M 1L,, hoje, isto sim! Deu I a r~ namorar equell a siri g:,.ita e . . . e .. . e . . . E abriu num c horo forte, su lcado, retalhado dll so– lu ços e lame ntações . E leva nto11-se. e lá se foi, thea– tro afóra, muito a lqu ebrada, e ncolhida de Maneiras qne não mais so nos afi gurava a. ros a e ~arl ate, de pe– ta las es voaçantes, de momentos a ntes e sim um a mi – Rera flôr emmn rchecida. meio roxa, uão ei se pe lo ef· fe ito _da luz pouco inte11 ' n. qu e então a e ncobria. i, pela 1n flu enf'ia. da g ra nde tri~te a, cirio de paixão, que lhe resum bra.va da alma . . . O . Anatolio fi cou com uma can.:. de i.empestade a ma111n111 . • . e foi- se ao bar do Grande H otel, a tomar nm w{usky bem do, ado, para retemperar-se, e poder t•11r11b1char-se de novo . .• O .Pafu ncio. esse, deu de olhar-me com nma physio- 110 1rna de ponto de admirarão a per ,ruut.ar devéras iulri gud o : · ' "' '

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0