O Ensino Revista mensal de pedagogia, literatura, artes e officios 1918-1919. Jun-Dez

O ENSINO 105 ~~ ,._. ~~~~ Era num adoravel fim de tarde d e vespera de :Natal. As tintas do crepusculo, de uma suavidade en– cantadora, dir-se-iam envolver as coisas nll'l1s leví ssimos tons violetas, Jilazes e rosas desmaiadas. Ao lon– ge, pelos arvoredos, cigarras es tri– dulavam de per si e successivamen– te. Ta rn bem era o mais forte dos ruidos, porque tucJo ia lentamente adormecendo na propria tranquil– lidad e ambiente, á proporção que as linda s côres espectraes eram em– pallid eciclas pelas sombras da noite p rox ima. Nesse in stante, o velho Bernardo, tropego e sordido, assorn ára ao lar – go de Nazareth, qu e aind a es tav a sombread0, em Jogar es relativamen– te curtos, pela espessa ramaria de mangueiras enorme . Vinh a de men– digar no tumultuoso bairro co rn – me?·cial. Com a lentidão das pernas tropegas. arrastava o seu corpo de– crepito para a qui etude propicia do Marco da Legua. onde morava nu– ma choupana, vel ha man são silente, entre velhos arvoredos, miseravel– mente coberta de sapé. Primores e hervas de passarinho , quasi envol– vendo-a toda, empres tava ao seu r ustico conjuncto um tom v rde-fl ô– ri do de primavera eterna. Bernardo, como sempre, es tava mal aga alh ada na mesma ·oupa safada, cuja primitiva côr , devido á polychromia dos remendos de fa– zendas vad as , era bem difficu ltosa em determ in ar a verdade ira. Poder– se-ia assim perceber o g ráu de ex– trema miseria a que chegár a o men– d igo. En_tretanto, pondo accentuado I relêvo á Yelhice do vestuario, a sua physionomia , r adiante de . sere12 a bondade , manif~ava a res1gnaçao de quem, com a ~ragem indomita de um estoico, soffr~ra os embates da sorte cruel. , Elle tinha o habito de andar com a cabeça descoberta, 'mostran– dn os raros fio s nitentes dos cabei– los li sos, qu e es ôaçavam ao suave frescor dos ventos blandifluos . E oc..: os seus grandes olhes azues, de um azul de saphira desmaiad~, não ti– nham o qu e nte ful gôr dos rl a mo– cidade, que tão fasc inante impéri o exerc~ram sobre a delicada sernú– bilidad e das tricanas- flôr ideal d uma raça forte. Quando sorria, lembrando o mei– go sorrir dA uma creança recemn as– cida, mostrava as gengiv as enxan– gues, onde negrej ava un: uni co dAn– te, hediondamente quilotado pelo abuso excessivo do tabaquear. O que, porém, santifi cava o seu rosto encarquilh ado , dando -lhe unrn e,' – pressã o dôcemente patriarchal , er a a grande barba flocosa, de uma sur– preendente alvura gardenia imma– cul ada. Esse infe liz, que sempre foi de– mas iado meigo algo r esignado , e humanamente bom, possuía três ob– jectos in separaveis: um tosco páu de lara nj eira, um sebaceo farnel de lona, um vetusto cachimbo de ce– rejeira. O cajado servia de solido ::irrimo ao seu corpo tremul o dP mendigo decrepito, miseravelmente decrepito; o farne l, que começára a romper-se dos lados, era o depo– sito quotid iano do estendal alin1Pn- •

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