CARVALHO, João Marques de. Hortencia. Pará: Livraria Moderna, 1888. 230 p.

Hurte11cia 111 é verdade, ouvindo-lhe as incongruencias phan– tasistas da livre linguagem porcalhona, porém apiedava-se d'elle, com uma ternura doce na ex– pressão compassiva do rosto. Effectivamente, era um pobre diabo, mere– cedor de lástima, aquelle mulato, o Pedro Al– ves, da estrada da Constituição. Os dias da velhice passava-os a .~astar pro– dig'.tmente em pandegas na taberna da esquina, "a ruolhar as paredes do estomago", segundo uma expressão propria, com o vinho que lhe vendia o taberneiro a 800 réis o litro, a pagar nos dias 30 de cada mez, nuando recebia o alu– guel de uma casa que possuia no bairro da Sé. Sem aspirações, sem gosto para nada, atolioima– do e embrutecido. vegetava n'aquella atmos– phera avinhada da·tasca, a cantarolar cantigas populares, na voz sem afinação. De manhãsi– nha, quando acordava, erguia-se da rêde arma– da a um quarto do fundo da pequena casa soli– taria,-vivia só o Pedro Alves,--e saía logo para a rua, dirigindo-se á taberna com o passo moroso e incerto dos ébrios. Como se fosse uma pessoa da familia, o taberneiro servia-lhe uma ehícara de café na mesma mesa de pinho onde ·comiam a mulher e os filhos,- por um impulso de piedade por aquella victima do môsto fer– vente e traiçoeiro. O Pedro Alves depenicava um quarto de pão, sem appetite, sempre a quei– xar-se do estomago e dizendo que ·"tinha a bocca a saber-lhe a cabo de guarda-sol velho". Viuha depois para o corpo da loja, sentando-se junto da feITugenta mesa ele feirro, que fôra aroarella outr'oTa. .Já sabia o taberneiro o que lhe convi– nha fazer: sem hesitações, enchia de vinho um cópo de louça grossa e apresentava-o ao. amigo e cliente, sem esquecer-se, todavia, de fazer o

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