MARANHÃO, Haroldo. Flauta de bambu. Rio de Janeiro: MOBRAL, 1982. 64 p.

OBAIANO EABALEIA ' U me banhava na praia de ltapoã A manhã era de ouro e as águas acolhiam-me, verdes, frias, e eu fui nadando, feliz, rítmico, fui nadando, e deixava-me por vezes flutuar no líquido colchão, quando o sol me envolvia de fe bre. A paz, a minha paz rompeu-se como se me golpeassem com um soco. Ao dar-me conta, diante de mim escancarava-se goela fantástica, do tamanho de um hangar de aviões. Tratava-se de baleia, que num sorvo me engoliu como se deglutisse uma cafiaspirina. Em meio àquele terror pude assim mesmo avaliar a sua e~tensão territorial, à distância percebendo no instan– te de ser comido, as águas esfarinharem-se chicoteadas pela cauda. Meus primeiros momentos foram de desconforto, desambientado, é claro, o corpo gelado, a alma gelada, crispado de apreensões. Logo pressentiria o refluxo do líquido bebido pela fêmea, estímulo que me pareceu de vômitÕ. Poderia ter-me valido da oportunidade, única, para safar-me. Não sei que impulso me fez segurar fortemente pedaço de músculo ou banha. O animal aliviou-se da invasão das águas, que eu via espirrar, por desvão da couraça, num soberbo chafariz. Instalei-me solidamente na idéia sossegante do será-o-que-Deus-quiser. E comecei a efetuar inspeção medrosa, tentando orientar-me no teatro visce– ral, onde eu próprio me sentia do tamanho de um croquete. Espaçoso era o compartimento, macio, parecendo colchão de espuma de borracha. A ba– leia rompia o oceano e eu embalava-me num balouçar de berço, experimen– tando na cara lufadas de peixes, de algas, de búzios. Já me locomovia com desembaraço, sem poder, não obstante, identificar cada qual dos órgãos intestinos, as câmaras de toucinho, algumas, das dimensões de um dormitó– rio de palácio real. Penetrei em corredores, contornei massas rígidas, fláci– das massas, explorei intumescências, mergulhei os pés em tépida lagoa, 59

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