MARANHÃO, Haroldo. Flauta de bambu. Rio de Janeiro: MOBRAL, 1982. 64 p.

piscou marotamente, recordando-lhe sua condição de homem só num quar– to de hotel. É de toda justiça assinalar: Prudêncio resistiu à primeira inves– tida do Canhoto, alegando comportamento conjugal do qual nunca se afastara, mais por costume do que por virtude. Mas somente pôde resistir ws golpes iniciais, que infiltrantes eram os argumentos do camararla, por– ta-voz do Excelentíssimo. Capitulou. Mas sossegou-se com a idéia de que, enfim, as tais voltas por aí não lhe arrancariam pedaço. Foi. O amigo pilotou-o com desembaraço pelo interior de curiosa geografia, de Norte a Sul e de Oeste a Leste. Por fim, albergaram-se em alegre pousada, onde a Prurlêncio coube a iniciativa de solicitar a companhia de um conhaque duplo, para expulsar o acanhamento. A imaginação de Lopes e a sua livralhada lhe haviam inspirado mã noç o do território que pela primeira vez visitava. Até ali, idealizara a certeza do que a população daquele país se constituía de lobas obesas vestidas de vermelho. Se pudesse cair, cair-lhe-ia o queixo: saltaram à vista de Lopes duas ou três entusiasmantes exceções à sua regra, uma das quais particular– mente mordeu o interesse prudencial. Belíssima não seria, longe disso, mas foi por essa forma que Lopes a qualificou para o espantado camarada, a cuja retaguarda o velho bode sorria com modéstia. Embora insistisse o camarada por facilitar uma abordagem, obra de minuto, o bibliólatra repe– lia o alvitre, preferindo de longe manter-se jiboiando a presa A noite findou assim, Prudêncio Lopes a três metros do foco de seu alumbra– mento, separado pelo muro da própria timidez. A seguinte manhã encontrou Prudêncio a braços com teimosos pensamen– tos, eles todos voltados para o teatro da noite anterior. Curioso: não se recriminava, nem se sentia de consciência arranhada Ao contrário: envol– vente bem-estar pulsava-lhe no peito. Driblou o amigo, que o procurou ao jantar, e dirigiu-se reto, direto, para o ninho conhecido, não sem antes fortalecer-se com as armas do álcool. Nessa e noutras noites, era a direção que invariavelmente tomava logo depois do jantar. Até que um dia, o café da manhã ele já não bebeu no hotel. Pusera de \ado timidez e conveniên– cias e entregara-se, como um ginasian'o, à boêmia e à sua paixão! Para resumir: propôs levar consigo a referida exceção à regra, para conser– vá-la teúda e manteudamente, como antigamente costumava dizer-se dos casamentos sem padre e sem juiz. Já não lhe importava o leilão, a bibliote– ca por encaixotar, os filhos e a mulher, esta a lhe telegrafar e telefonar invadida de apreensões. O hotel servia-lhe para a muda de roupa, porque mesmo as refeições passou a fazê-las na companhia da exceção e na casa. alegre, dando-lhe de comer à boca, com luxo de obséquios que provocavam sorrisos nas outras comensais. A história acaba assim: a senhora dona da casa alegre, e dona também de bom senso, chamou a deslumbrada pupila e lhe falou estas palavras sen- . satas: 50

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