MARANHÃO, Haroldo. Flauta de bambu. Rio de Janeiro: MOBRAL, 1982. 64 p.

AS MAIORES PEREBAS DOMUNDO Um bacharel, cuja identidade não pude descobrir, amanheceu há três sema– nas com irritantes perebas a grelar-lhe na palma de uma das mãos. A princípio não deu importância merecida; salpicou-lhe sulfa, certo de que o polvilho secasse a ferida banal. Não secou a ferida, nem esta era banal, pois rápido se alastrou, abrindo-se como uma rosa, feia rosa, abrangendo prati– camente toda a extensão da área palmar. A essa altura alarmou-se o bacha– rel, procurando aconselhar-se com o primeiro médico que lhe passou ao alcance das mãos enfermas. / Este repórter aposentou-se de jornal justamente pela sua desatenção às minúcias. E o leitor aprecia almoçar as notícias com o molho inglês das circunstâncias. Por esse modo explico não saber também o nome do esculá– pio. Emendo a mão atribuindo ao bacharel o apelido de Pablo, roubando-o a um dos Apóstolos e conferindo-lhe sonoridade castelhana. E ao médico, deliberadamente feiosa identidade: Evilásio Altamirando. Se praticasse o conselho machadiano (não consultes médico; consulta alguém que tenha estado doente) não teria o nosso Pablo caído nos gada– nhos ilustríssimos de Altamirando. E talvez já estivesse apto a estreitar a mão dos amigos, sem o inconveniente de causar-lhes repugnância. Devo consignar em letras de ouro, para não omitir uma verdade: o mereci– mento profissional de Evilásio Altamirando está acima de qualquer restri– ção. E o fato µe não haver fulminado as feridas do bacharel não lhe reduz o mérito e antes talvez o explique. Evilásio Altamirando é cientista parci– monioso, capaz de apalpar longamente simples verruga antes de decidir-se pela conveniência de decepá-la. Tal aconteceu: ao inves de prescrever-lhe pomada cicatrizante, como talvez qualquer .farmacêutico fizesse, achou prudente recolher fragmento da pereba para submetê-lo à especulação do seu microscópio. Desejava certificar-se da natureza patológica do mal que 35

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