MARANHÃO, Haroldo. Flauta de bambu. Rio de Janeiro: MOBRAL, 1982. 64 p.

nha mãe. Os rapazes também plantaram suas famílias. Nosso pai novamen– te arranjou dona de casa, novos filhos lhe vieram, e a vida prosseguiu, porque a vida prossegue sempre. E o cachorro, lá, o mesmo cachorro, guardando uma fidelidade ·às paredes que o receberam, ao chão em que dorme, ao prato onde come, às sossegadas alegrias da casa e às tristezas também. Eu sabia que suas amigas, que meninas conhecera e hoje são mães, vez ou outra o reencontravam, e no animal percebia-se uma saudade ,de alto amor. Ontem visitei o estimado amigo. Encontrei-o velho, doente, os membros prestes a paralisarem, o rabo sem pêlos, e o rosto viúvo de alegrias. Ainda assim me fixou o olhar enevoado pela doença, mas onde percebi passarem, rápidas, lembranças comuns. Voltei-lhe as costas, para não chorar. Imponho-me uma retificação, para ser verdadeiro com quem me lê : tratei o querido amigo de cão, de cachorro, embora ela (sim: ela) tivesse sido mãe muito ciumenta até, a nossa Doga. A Doga! A Doga tanto e tanto amada. Não me perdoaria identificá-la pelo designativo que os dicionários reco– mendam: porque chamá-la de cadela - cadela - seria machucar o coração da doce enferma, que geme suas dores últimas e mal distingue os vultos familiares, a nossa velhinha quase cega. 32

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