MARANHÃO, Haroldo. Flauta de bambu. Rio de Janeiro: MOBRAL, 1982. 64 p.

GENIVAL: BOMDIA! A princípio considerou suas apreensões um disparate. E repeliu-as como se afugenta mosca pousada na comida ou no nariz. Depois, o que o alarmou foi a regularidade com que se manifestava o inquietante fenômeno, que nunca imaginou pudesse haver sucedido a alguém. A repetição acabou por ocasionar-lhe insônias, pesadelos. Tudo começou certa manhã, quando en– trava na repartição. Um colega acolheu-o alegremente : - Bom dia, Genival! O bom-dia incomodou-o, infelicitou-o mesmo. Não podia entender. Estava a acontecer-lhe qualquer coisa abstrata e diabólica. Custou nesse dia a ordenar as idéias, os papéis do expediente dançavam-lhe embaixo dos olhos. Na seguinte manhã voltou a sentir-se perturbado. Saía do cinema, afagando projeto de uma pizza e um chape, quando lhe bateram às costas. Escutou a saudação para ele feroz: - Boa noite, seu Genival. Não conseguiu dormir. Saltava da cama para a poltrona, da poltrona para a cama, fumava, ab ria a luz, fechava a luz, abria,. fechava as janelas. Amanhe– cia quando abandonou o quarto, destroçado, terrível. Deixou ficar-se em casa, acovardado, enfermo de doença impalpável. Pela tardinha conseguira espantar os sombrios pensamentos, era um homem escanhoado que não se sentiu mal ao olhar-se no espelho. Serviu-se um uísque, telefonou para a namorada, acertaram um cinema, saiu andando a pé tomando brisa. Reco– lheu-se t arde e fatigado, em poucos minutos dormia. Dirigindo-se para o trabalho, chegou a assobiar um samba fora de moda. Mas à porta da repartição apagou o assobio, de novo invadido de pressentimentos. Entrou pé ante pé, esgueirando-se, os olhos desassossegados. Um contínuo inter– rompeu-lhe os passos: 29

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