MARANHÃO, Haroldo. Flauta de bambu. Rio de Janeiro: MOBRAL, 1982. 64 p.
EM COMPASSO DE TANGO ARGENTINO Por que não reembarcar na garupa das minhas lembranças, retomando a Buenos Aires como num passe de mágica? Nos dois anteriores capítulos reportei como vim a encontrar, em circunstâncias incomuns, pai e mãe postiços. Assim, declaro-me de novo instalado à tripa forra no palácio de Dom Enrique Garcilaso Selgas Avellaneda, a las nueve de la maíiana do dia imediato ao da aventura. A mulher deste, Assunta, caminha com pés de flanela para acordar sem ,sobressalto o perfeito modelo carnal do filho morto. Desperta-o com beijo meigo, engarfando-lhe os dedos pela cabelei– ra. Ato contínuo, invade o quarto meia dúzia de camareiros portando baixela de prata de lei, com frutas, leite, sucos, ovos fritos, bacon, queijos, patês, presunto, geléias, pães, café fumegando como um navio. Nunca mais me aconteceu semelhante desjejum. Nem na Varig. Grosseria achei não corresponder carinhosamente àqueles exageros. E perguntei à boa Assunta, que mostrava no rosto o júbilo que a remoçava: ~ Y mi padre, mamã? O esportivo Dom Enrique madrugara no Golf.Club, para os exercícios que a maturidade reclamava. Razão pela qual lá fomos ter os dois, hijito e mamã, no bojo de uns desses carrinhos que transitam à toda pelas estradas das Rivieras francesa e italiana Foi esse o princípio de verdadeira maratona pela intimidade de salões, apertos de ilustres mãos e mãos de seda, asseados colos, bailes, casacas, fins de semana, meios de semana, começos de semana A vida elegante em Buenos Aires girava ou gira ainda à volta dos Selgas Avellanedas, como mosca em tomo de melado. De modo que o empelicado maroto andou a comer e a beber da banda fina, proseando com ministros, tuteando mulhe- 25
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